Jorge Jesus. O cérebro da táctica

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Chegou, viu e já venceu. Afinal, que segredos têm as equipas de Jorge Jesus? O SOL pediu a dois especialistas para elaborarem um relatório técnico sobre o conceito de futebol do treinador.

Egocêntrico. É este o rótulo que muitos dos que trabalharam com Jorge Jesus no Benfica lhe foram colando à pele. O técnico deu-lhe gás. Antes da conquista da Supertaça frente ao clube que treinou durante seis anos (1-0), afirmou sem pestanejar: «O Benfica não mudou nada. Vou jogar contra uma equipa com as minhas ideias, mas os treinos não vão ser os mesmos. O cérebro já não está lá».

Pois não. Rumou a Alvalade e, ao fim do primeiro jogo oficial da nova época, eis que o Sporting surge dominador e confiante à imagem de um bicampeão nacional e o Benfica arranca temeroso e com dúvidas do seu valor, como se viu no dérbi de domingo. 

É difícil crer que tão brusca inversão de papéis se esgote numa discussão sobre um desmedido culto do ‘eu’. O «cérebro» do futebol ‘encarnado’ dos últimos anos, como Jesus se referiu a si próprio, terá virtudes que vão além de um adjectivo e dois daqueles ‘espiões’ que elaboram relatórios técnicos sobre adversários aceitaram decifrá-las a pedido do SOL.

Rui Malheiro, que já desempenhou essas funções no Rio Ave e no Boavista, e Tiago Maia, observador no Sporting de 2005 a 2011, destacam-lhe o estilo de jogo «arrojado», com uma intensidade «difícel de igualar», que combina organização defensiva e «vertigem ofensiva». Ideias que ambos já começam a vislumbrar na equipa leonina.

Para Tiago Maia, «um dos aspectos que mais diferencia Jorge Jesus dos outros treinadores» é a capacidade de jogar com um quarteto defensivo «frequentemente sobre a linha do meio-campo» – que confere uma «vantagem numérica na zona da bola» – e ao mesmo tempo impedir que o adversário explore o terreno livre entre o guarda-redes e a defesa.

«A coordenação entre os dois factores é das melhores que alguma vez observei», salienta Maia, antes de explicar que o segredo para facilitar a acção dos homens mais recuados reside nos médios e nos avançados, que pressionam o portador da bola de modo a evitar passes em profundidade. A estratégia, alega o analista que já foi treinador adjunto no Lokomotiv Moscovo, Vitória de Setúbal e Estoril, tem de ser muito bem afinada ao longo da semana para resultar: «Jorge Jesus faz claramente a diferença nos jogos mas sobretudo nos treinos».

Outra característica em destaque para Rui Malheiro é a «mudança de atitude» dos jogadores após a recuperação da bola, com a equipa a desdobrar-se em bloco «de forma a chegar rapidamente ao último terço do terreno». Se a jogada começa numa zona recuada do campo, o médio mais defensivo, hoje conhecido como a posição seis, aproxima-se dos centrais para permitir que os laterais se ‘soltem’ no ataque. Os extremos aproveitam para explorar a zona central e dar apoio num futebol de passes curtos no espaço entre os médios e defesas contrários, com pelo menos um dos avançados a complementar essa mobilidade colectiva.  

Muitos treinadores limitam a entrada na área contrária a três jogadores, mas com Jesus é habitual ver quatro ou cinco na grande área. Um pendor ofensivo que o Benfica já não apresentou na Supertaça. «Pelo que vi, Rui Vitória entrou num caminho de ruptura e vai privilegiar mais a posse de bola e menos a vertigem ofensiva», observa Rui Malheiro, que já trabalhou com treinadores como Paulo Sousa, Jaime Pacheco e Fernando Santos. 

Em sentido inverso, do outro lado da Segunda Circular a influência do ‘cérebro’ nota-se cada vez mais nos ‘leões’. «O Sporting já se encontra num nível de organização elevado para o momento da época», atesta Tiago Maia. E «ainda vão melhorar mais», antecipa Malheiro.

hugo.alegre@sol.pt