Ética desportiva parte I – O caso das supostas SMS de Jorge Jesus a alguns jogadores do SL Benfica

Antes do jogo entre o Benfica e o Sporting a contar para a Supertaça Cândido de Oliveira, saiu a domínio público o suposto envio de determinadas mensagens (SMS) de Jorge Jesus a alguns seus ex-jogadores, profissionais do Benfica.

Nas mensagens alegadamente enviadas por Jorge Jesus, lia-se numa notícia publicada no Correio da Manhã: "Joguem com dois ou três médios, vão perder" e "Se o Talisca jogar atrás do ponta de lança já perderam o jogo".

Depois da polémica transferência de Jorge Jesus para o Sporting, muito se tem escrito e falado sobre a veracidade desta notícia, bem como sobre as repercussões que as mesmas supostamente tiveram no plantel encarnado, no desempenho dos jogadores e, sobretudo, na cada vez mais inflamada relação institucional entre as SADs.

Não obstante o atual técnico leonino já ter tido a oportunidade de desmentir publicamente a aludida notícia, importa-nos indagar se, do ponto de vista ético-desportivo e/ou disciplinar, a eventual veracidade da notícia poderia, ainda assim, originar responsabilidades disciplinares ao treinador.

Para os mais desatentos, o Desporto (sobretudo o profissional) adquiriu uma dimensão planetária incomensurável. Com este gigantismo cresceram problemas que atentam contra a integridade deste fenómeno: a corrupção, agora com uma nova dimensão – o match fixing/jogos combinados –, a falta de transparência, a violência e as manifestações associadas de xenofobia, intolerância ou racismo, o consumo de drogas e sobretudo o doping.

O Desporto – onde não excluo o domínio profissional – pode e deve definir o seu caminho de acordo com valores morais e éticos. A actividade desportiva, pela sua riqueza social e cultural, constitui-se como um meio privilegiado para que as opções pelos valores da ética desportiva sejam, cada vez mais, postos em prática, devendo, pela sua natureza, constituir-se como um exemplo de rumo a seguir por outros setores da sociedade.

Falar de ética no Desporto é centrarmo-nos em valores que deverão estar presentes na orientação dos praticantes, em todos os agentes desportivos e no movimento associativo, de forma a que o Desporto se possa constituir como um verdadeiro factor educacional, de integração e inclusão social. E como um contribuindo para o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas e consciencialização de todos os agentes que se relacionam com o Desporto, quanto à respectiva responsabilidade na observância de comportamentos leais e que possam servir de modelo positivo para os mais jovens.

A FIFA, como se sabe, determinou a aplicação de um código que regula a conduta ética no âmbito do futebol, proibindo e punindo todas os comportamentos que prejudiquem a integridade e reputação do futebol, em particular comportamentos ilegais, imorais e antiéticos.

Do mesmo modo, o Governo português aprovou no ano passado um Código de Ética Desportiva, onde se estabeleceram diversas normas de conduta dirigidas aos treinadores de todas as modalidades, onde consta o fomento do desportivismo e o relacionamento saudável entre todos os colegas de classe.

Todavia, não se confunda valores morais e éticos de uma modalidade com ingenuidade ou inocência. Como repetidamente refiro aos meus alunos, o Desporto profissional não é para ‘anjinhos’, nem através da sua prática se alcança as portas do Céu.

As referidas SMS, caso sejam verdadeiras, não atentam à integridade física ou moral de nenhum dos visados ou do clube que representam. Através das mesmas, Jorge Jesus não procede à divulgação de nenhuma informação de carácter sigiloso que, eventualmente, possa determinar a violação do dever de lealdade, zelo e/ou diligência para com o Sporting, nem se afigura pelo seu parco teor como é que as mesmas possam afectar o desempenho de jogadores profissionais de futebol habituados a situações de grande pressão e stress.

No fundo – mais uma vez, a serem verdadeiras -, aquelas SMS são mensagens que revelam uma tentativa de acicatar os ânimos dos jogadores do clube ora rival, com os quais, notoriamente, ainda mantém ou tenta manter alguma relação de respeito e amizade.

Nesta indústria do Desporto profissional são habituais estes denominados mind games nas vésperas de jogos decisivos, em todos os campeonatos de futebol deste Velho Continente, pelo que este comportamento não é, por si só, uma conduta antiética ou violadora das regras de fair-play. E seguramente não foi por aqui que o Benfica perdeu, ou que o Sporting ganhou a Supertaça Cândido de Oliveira.

Do ponto de vista disciplinar, também não constato que as referidas SMS possam ter qualquer relevância. Como se sabe, considera-se infracção disciplinar o facto voluntário, por acção ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

Quanto ao caso em apreço, não vejo na suposta conduta de Jorge Jesus qualquer desconformidade com os princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e rectidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social ou atentadora de qualquer outra norma do acual Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

Deste modo, este pretenso caso não é um verdadeiro ‘Caso Desportivo’, merecedor da relevância atribuída pelos principais meios de comunicação social na passada semana.

Face ao exposto, porque o Campeonato Nacional de Futebol já começou, como dizia o José Estebes: «Deixem-se de tretas…Força nas canetas…E o maior é Portugal».