Ao encontro da inspiração

Afonso Reis Cabral escreveu uma parte do livro que lhe valeu o prémio Leya na livraria Ler Devagar, no LX Factory. Mas é n’O Meu Café, em Campo de Ourique, que o autor de O Meu Irmão nos recebe. Possessivos à parte, para Afonso é normal e proveitoso escrever fora de casa. “O movimento, a…

Apesar de não ter “nenhum espaço que frequente” no sentido de tertúlia, Afonso também admite não “ter um grupo de escritores com quem se reúna”, mas tem preferências relativamente aos sítios onde, sozinho, procura um novo livro. “Gosto muito de livrarias e do conceito de café aliado à livraria. Além da Ler Devagar outro sítio de que gosto, nessa linha, é a Pó dos Livros”.

No entanto, Afonso sente que “as tertúlias são extremamente importantes, pois promovem a troca de ideias e são um meio de aprender”, pelo que lamenta não fazer parte de nenhuma. “Talvez para esta geração, com a internet”, este tipo de convívios tenha passado para o mundo virtual. “O que não é nada ideal”, continua, “promove o isolamento”.

As suas ‘tertúlias’ acabam por se alongar pela noite dentro com amigos. “Os espaços nocturnos que frequentamos com mais regularidade provavelmente não fugirão muito ao roteiro da década de 80: gosto de ir ao Procópio, Foxtrot e Pavilhão Chinês. Ou então à Guilherme Cossoul”.

Tal como Afonso, Tiago Rodrigues, dramaturgo, encenador e director do Teatro D. Maria II tem dificuldade em escolher os seus espaços preferidos pois não é “fiel a nenhum”. No entanto, Tiago Rodrigues acredita que esta resposta mudará em Setembro, quando abrir o café Garrett, no Teatro D. Maria II. “Penso que faz falta um espaço do género em Lisboa, onde o público possa conviver com os artistas após os espectáculos. Na Baixa, então, esses locais basicamente não existem”. Tiago acredita que este café, feito com prata da casa, “vai cultivar o debate e a conversa”.

Enquanto não temos Garrett, Tiago Rodrigues é peremptório em afirmar que “continua a ser muito importante este convívio para os artistas e o café como local de encontro. Normalmente é nas situações onde não há objectivo de eficácia que surgem as melhores ideias”.

Verdadeiros gabinetes de curiosidades, Tiago Rodrigues lembra a ideia do pensador europeu (e frequentador de cafés) George Steiner: “A Europa existirá enquanto existirem cafés”. A frase de Steiner, à letra, diz que “enquanto existirem cafetarias, a ideia de Europa terá conteúdo”. Tiago não tem dúvidas sobre esta premissa – para ele, os cafés são e continuarão a ser locais de encontro, debate e conversa “e essas reuniões serão sempre positivas”.

A promover estes ajuntamentos, há vários espaços no país de que apetece falar quando se pensa em rebuliço cultural: no Porto, o Maus Hábitos. Em Lisboa, a Galeria Zé dos Bois. E outro nome que nunca deixou de ser Frágil: Lux.

Nos anos 80, Lisboa fervilhava. Os espaços eram menos do que hoje em dia, mas isso apenas proporcionava um encontro quase certo entre jornalistas, políticos, modelos, artistas plásticos e músicos. Turistas? Contavam-se pelos dedos. No Bairro Alto, o Frágil, de Manuel Reis, torna-se um mito. Catarina Portas está a compilar em forma de livro as fotografias que atestam a panóplia de figuras que por lá passavam, pessoas que, segundo a dona de A Vida Portuguesa, “tinham urgência de viver”. Até as porteiras se tornam personalidades: Anamar e Margarida Martins – que se já se referiu ao bar como “sala de cultura” – faziam ou arruinavam a noite de quem lá pretendesse entrar.

Nos início dos anos 80, os Xutos & Pontapés estavam a afirmar-se. Zé Pedro sorri quando fala dos espaços que frequentava. O café preferido era o Vá-Vá, na Avenida Estados Unidos da América. “Ali assisti ao início da Sétima Legião – ouvíamos os concertos da esplanada. Ali conheci o João Cabeleira, que viria depois para os Xutos”. Não eram só músicos, também havia intelectuais: “Lembro-me, por exemplo, do Eduardo Prado Coelho. E sim, a convivência era bastante pacífica”. Normalmente, o grupo seguia para o Rock Rendez-Vous. “E quando iam músicos estrangeiros actuar ao Rock House, depois costumávamos levá-los a sair connosco para o Tokyo e o Jamaica, no Cais do Sodré”. Mais tarde, surge o Plateau e as noites começam a amanhecer.

Para Zé Pedro, e falando especificamente do panorama musical, “as amizades que se fazem são extremamente importantes, pois para as bandas que estão a começar têm que se apoiar mutuamente. E nisso os sítios que frequentávamos tinham uma importância enorme”. Zé Pedro conta que “era muito normal trocas de músicos entre as bandas”. O guitarrista dos Xutos & Pontapés está convicto de que continua a ser assim para as novas gerações, apesar de a filosofia ser diferente. “Mas não sou nada saudosista: continuo a achar que a grande cena é agora”. 

Vai um café?