Não se falam há dois anos

João Gabriel foi a primeira voz do Benfica a reagir à contratação de Jorge Jesus pelo Sporting. “Sou grato a Jesus! Para o ano vamos ter treinador comprometido com o Benfica e não apenas com o seu ego e conta bancária!” – disparou o director de comunicação dos ‘encarnados’.

O dirigente não escolheu qualquer canal oficial do clube da Luz para tomar posição. Preferiu recorrer à sua página no Twitter e, de facto, segundo o SOL apurou, dois anos antes da mudança para o rival de Alvalade já a relação de Jorge Jesus com João Gabriel extravasara a esfera profissional para entrar no campo pessoal. A quebra de confiança deu-se no Verão de 2013, quando o então treinador do Benfica descobriu que o homem-forte da comunicação havia estado reunido com Marco Silva a preparar a sucessão no comando técnico dos ‘encarnados’.

O encontro, na zona de Benfica, decorreu umas semanas antes do fim da temporada 2012/13, marcada pelos três títulos perdidos em catadupa – campeonato, Liga Europa e Taça de Portugal -, e nele marcou também presença o advogado Paulo Gonçalves, do departamento jurídico dos ‘encarnados’.

Ao tomar conhecimento da existência dessa reunião, já no início da temporada seguinte, Jorge Jesus sentiu-se traído por João Gabriel – um elemento da estrutura com quem trabalhava diariamente – e cortou relações ao ponto de nunca mais lhe ter falado.

O assessor Ricardo Lemos, que já havia trabalhado com o treinador no Sp. Braga, assumiu então um maior protagonismo junto da equipa de futebol e João Gabriel concentrou-se na comunicação institucional. Jesus viveu os seus dois últimos anos na Luz incompatibilizado com o director de comunicação: o presidente Luís Filipe Vieira – que negou estar ao corrente do encontro com Marco Silva – preferiu não se envolver e nada nem ninguém demoveu o treinador de pensar que se tratou de um acto desleal e imperdoável por parte de um dos seus colaboradores mais próximos.

Contactado pelo SOL, João Gabriel recusou comentar o que diz ser um “guião preparado pelo dr. Miguel Henrique”, o advogado de Jorge Jesus. Este, por sua vez, ao ser confrontado com a afirmação do dirigente do Benfica, respondeu: “O meu papel é de mero consultor jurídico, mas é óbvio que nestas questões quem semeia ventos colhe tempestades. Eu prefiro ficar à margem de situações que nada trazem de positivo à imagem da instituição Sport Lisboa e Benfica e do seu passado recente”.

Ao longo desta semana, João Gabriel apelidou Jorge Jesus de “deslumbrado” em duas ocasiões. “Um deslumbrado que acha que o mundo gira à volta dele”, declarou ao Expresso, antes de repetir o adjectivo na sua página no Twitter, numa troca de galhardetes com o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho.

Rui Gomes da Silva proibido de falar aos jogadores

Apesar de ter saído como bicampeão nacional, Jorge Jesus deixou muitos anticorpos no Benfica. Um dos que surgiram antes de João Gabriel foi o vice-presidente Rui Gomes da Silva, que nunca morreu de amores pelo treinador e é agora, desde que Jesus se mudou para Alvalade, uma das vozes mais ‘afiadas’ contra o técnico leonino.

Ainda na quinta-feira, numa crónica no jornal A Bola, o ‘vice’ benfiquista, sem nunca escrever o nome de Jorge Jesus (também nunca o profere na televisão), insurgiu-se contra “quem julga ser o centro do mundo”, ao defender a intenção assumida esta semana pelo Benfica de accionar judicialmente o seu ex-treinador.

A relação entre ambos descambou logo na primeira época do técnico na Luz, em 2009/10. Certo dia, Rui Gomes da Silva quis falar à equipa na sua condição de dirigente e Jesus cortou-lhe as vazas. À frente de outros funcionários do clube, o treinador não mediu as palavras e, segundo revelaram ao SOL, terá sido “mal-educado” na defesa de princípios que considera sagrados.

Já por várias vezes Jesus assumiu em entrevistas que não admite intervenções de dirigentes junto dos jogadores, por entender que são uma desautorização ao treinador. É conhecido o episódio em que, na sua primeira experiência no cargo, no Amora, expulsou o presidente do clube do balneário. Com Rui Gomes da Silva, o choque ditou um conflito até hoje insanável.

rui.antunes@sol.pt