O ruído como mensagem…

Vivemos no meio do ruído. Sonoro e visual. A modernidade mudou de paradigma, mas a paisagem urbana reflecte ainda vícios antigos. 

A recente polémica dos outdoors, afixados pelo país na pré-campanha das legislativas, é disso um bom exemplo. Poluição em formato XL. Com o picante da “aselhice na escolha dos rostos para as histórias” (António Costa dixit) dos marketeers ao serviço do PS. Por preguiça ou má-fé.

Percebe-se que o assunto seja indigesto e tenha estragado as férias do líder socialista, de volta ao palco, apressadamente, com um pedido de desculpas públicas numa mão, e, noutra, o despacho com a ‘ordem de marcha’ para o director de campanha, o inevitável bode expiatório.

Por vontade dele, o assunto ficaria encerrado. Embora seja interessante saber que aprovou previamente os controversos cartazes, como assume hoje aqui no SOL.

Mas esta história é o mal menor.

António Costa deveria pedir desculpa, isso sim – juntamente com os outros líderes partidários -, pelas sucessivas vagas de cartazes gigantes plantados em praças, avenida, estradas e rotundas, numa insuportável agressão.

O problema é antigo e tem vindo a agravar-se. Uma das manifestações mais deprimentes dessa vaidade paroquial, à qual nenhum partido escapa, da esquerda à direita, são as campanhas para as eleições autárquicas.

Como o (mau) exemplo vem de cima, os candidatos rejubilam e correm a pôr a cara nos outdoors. E, como se isso não fosse maldade bastante, ainda legitimam frases que, frequentemente, roçam a mais completa iliteracia, com a cumplicidade dos ‘criativos’ das agências.

A vaidade lusitana não tem limites e o abuso repete-se, sejam autárquicas ou legislativas. É um provincianismo pacóvio que faz dos cartazes um study case sociológico.

Em plena era digital, com as redes sociais a serem seguidas pelos media como celebrantes de uma nova fé, a invasão periódica de outdoors é um contra-senso e um mistério tão insondável como a multiplicação de festivais de rock ao ar livre, frequentados por muitos milhares de jovens, aparentemente sem constrangimentos financeiros na mochila.

Costumamos imitar muito do que se passa ‘lá fora’, por seguidismo, moda ou preconceito. Mas, neste caso, somos originais. Fora de portas, na Europa mais rica, as campanhas eleitorais chegam à via pública em discretos cartazes, dependurados onde não incomodem, quase a pedirem desculpa por estarem ali.

Connosco, tudo tem de ser em grande. A Praça de Espanha, tomada de assalto pelos outdoors, constitui um flagrante exemplo dessa poluição visual, com o beneplácito do Município.

Os rostos não oferecem novidade. Os clichés tão-pouco. Já cansam as frases-feitas de “confiança”, “mudança”, “alternativa”, entre outras banalidades, ditadas pela falta de imaginação dos ‘especialistas’.

Perante a montra inútil, salva-se, talvez, a facturação das empresas do ramo. Haja, ao menos, quem ganhe com o negócio, já que os eleitores dispensariam esta pasmada propaganda estática.

Tivessem o PS e demais partidos da oposição interiorizado a crise, e não seriam tão perdulários nos gastos em cartazes, que não lhes trazem um voto de proveito.

Estivesse a coligação apostada em dar um exemplo de austeridade e renunciaria à lógica dos outdoors, explicando porque o fazia, e economizando uns bons milhares de euros. Seria um excelente contributo para a melhoria do ambiente. E faria a diferença.

Mas, neste ponto, oposições e Governo, embarcam no mesmo fervor passadista. É uma cultura que tem os seus prosélitos, enfeudados a um imobilismo conservador que há muito deveria ter sido posto a recato.

Há hoje plataformas multimedia muito mais eficazes, tendo como suportes físicos, além das televisões – cada vez mais interactivas -, os smartphones, os tablets ou os computadores pessoais.

O digital veio para ficar. O facebook, o twitter, o linkedin e outras redes ditas sociais tornaram-se meios privilegiados de comunicação – como se viu ainda esta semana com o anúncio formal da candidatura à Presidência de Maria de Belém.

O ‘jornalismo do cidadão’ disputa, entretanto, o terreno dos jornalistas que, imprudentemente, o legitimam, enquanto as versões online da imprensa ameaçam destronar os jornais, ainda com lugar nas bancas.

O Observador, projecto editorial em suporte exclusivamente digital, conquistou, em passo rápido, um estatuto e influência invejáveis. Dantes, nada era mais velho do que o jornal da véspera. Agora, as notícias ‘envelhecem’ na hora seguinte.

É neste contexto de mudança profunda do paradigma informativo que os outdoors se tornaram obsoletos. São um desperdício como mensagem. O ruído não compensa. Pior ainda: humilham os vencidos no dia seguinte às eleições. Se não forem retirados a tempo. E nunca são.