Os tristes trópicos de Castro Soromenho

Terra Morta é um romance passado no Camaxilo – uma povoação na margem do Cuengo, a caminho da Lunda Norte. É um romance neo-realista que reflecte a experiência de vida, as ideias e os valores do autor, Castro Soromenho, perante situações e lugares localizáveis no tempo e no espaço, a partir dos quais ficciona.

Fernando de Castro Soromenho (Chinde, Moçambique, 1910 – S. Paulo, Brasil, 1968), era filho de um alto funcionário colonial, Artur Ernesto de Castro Soromenho, que foi governador da Lunda, e de uma senhora cabo-verdiana. Fez o liceu em Lisboa, trabalhou na Diamang e integrou o quadro administrativo colonial, também em Angola; regressou à Metrópole, onde colaborou em vários jornais. Em 1936, iniciou a vida literária. É também autor de A Maravilhosa Viagem dos Exploradores Portugueses (1946), uma narrativa da travessia do Continente. Tem uma bela abertura: «Homens do povo foram às selvas africanas em busca de tesouros, jogando a vida em lances de heróica aventura. O ventre da terra misteriosa não se abriu em partos de oiro e pedras raras, mas mais forte que a realidade, o mistério africano embalou o seu sonho de riqueza. De jornada em jornada, levaram o pavilhão do seu país ao interior do continente, onde os mais audaciosos beberam nas fontes do Nilo».

A ‘terra morta’ do Camaxilo é um destes recantos dos ‘tristes trópicos’ portugueses: a terra pequena, os velhos colonos desiludidos e falhados que vão definhando e morrendo na nostalgia dos áureos tempos da borracha, entre filhos mulatos e mães negras; os administrativos, ‘os brancos do Governo’, partilhando arrogâncias, invejas, sentimentos e ressentimentos, reproduzindo em terra africana as grandezas e misérias da burocracia nacional; os sipaios, os locais que servem a ordem e a lei dos ‘brancos do Governo’, impondo essa lei e essa ordem aos seus irmãos de pele com berros e palmatoadas (às vezes, se são pouco zelosos, são eles que os levam).

E os negros comuns, os das aldeias, que rotineiramente os sobas destacam para servir nas minas, para onde marcham, cantando melodias sempre iguais, escoltados pelos sipaios, enquanto outros ficam como criados nas casas ou nas fazendas.

Camaxilo é o mundo e o micromundo que Soromenho, homem de esquerda e militante comunista, vê como o limite; o fardo e a desgraça do Império a cair e a pesar sobre dominadores e dominados.

Há outros pecados mortais repartidos pelos brancos: uma sexualidade ligada ao tabu e a libertinagem ou a ânsia da libertinagem que desperta. D. Jovita, mulher do administrador Gregório Antunes, é o impossível objecto de desejo dos brancos do Camaxilo, mas o seu predilecto, o jovem Joaquim Américo, não lhe corresponde. Os outros – brancos, mulatos e sipaios – vão-se entretendo com negrinhas que compram baratas, por bugigangas ou só por temor.

A tragédia aproxima-se do final, quando o mulato João, esbulhado da herança de um pai que nunca o reconhecera no papel, pega fogo à Administração e mata o sipaio Canivete, o negro colaboracionista e amigo dos brancos do Governo. No fim, os brancos do Governo abandonam Camaxilo.