O regresso do gangsta rap

O fim-de-semana de 15 e 16 de Agosto foi surpreendente para a indústria cinematográfica norte-americana. Straight Outta Compton, um biopic sobre os primeiros dias do grupo de rap Niggers With Attitude (NWA), fez 56,1 milhões de dólares no primeiro fim-de- semana de exibição e no visionamento para os membros da Academia houve palmas numa sala cheia.

É a grande surpresa da temporada de estreias do Verão nos Estados Unidos, com vários blockbusters a serem lançados quase em simultâneo. Missão Impossível: Nação Secreta, com Tom Cruise, no fim-de-semana de lançamento (no final de Julho) fez 52 milhões de dólares. Straight Outta Compton, com um financiamento de apenas 29 milhões de dólares, está por causa do seu sucesso inesperado a ser apontado como potencial candidato aos Óscares e potencial vencedor de Melhor Filme (de 2015).

O que é certo é que graças a um ano recheado de filmes que mantêm o público bem acordado, como Jurassic World, Velocidade Furiosa e Mínimos, a Universal fez a sua temporada mais lucrativa de sempre e bateu recordes. É até ao momento o estúdio que em menos tempo atingiu o valor de dois mil milhões de dólares de receitas só no mercado norte-americano.

O sucesso de Straight Outta Compton, classificado para maiores de 17, é ainda mais notório quando é feito contra o lançamento de um filme capaz de atrair multidões, o The Man From U-N-C-L.E., um filme de espionagem nos tempos da guerra fria, realizado por Guy Ritchie e produzido pela Warner. O filme do britânico Ritchie arrecadou apenas 13, 5 milhões de dólares. Intrigas de espionagens antes da queda do Muro, dizem críticos norte-americanos, é um assunto que está a milhas daquilo que neste momento está no centro dos interesses dos norte-americanos. É que embora descreva os dias violentos da emergência da nova cultura saída dos guetos de Los Angeles – que se expressava através de letras extremamente explícitas contra a polícia, a discriminação e a violência racial – Straight Outta Compton (que recupera o título do primeiro álbum do grupo, saído em 1988) faz hoje sentido numa América onde há motins em Ferguson e tiros nas costas a negros saídos de pistolas das forças policiais. Abordar a ascensão do grupo que inventou o subgénero mais agressivo conhecido como gangsta rap é problemático ao ponto de a Universal ter disponibilizado segurança extra nas salas de cinema.

Para quem viu, o filme que é produzido por alguns dos protagonistas, como os rappers Dr. Dree e Ice Cube, é incrivelmente acutilante e real. O sucesso da obra de F. Cary Gray sobre os tempos em que o hip hop e o rap ‘não era música’ tocou igualmente os membros da Academia de Hollywood, o júri dos Óscares. No visionamento que decorreu num cinema de Beverly Hills, onde muitas vezes a sala está meio cheia, quase 85 % dos lugares estavam ocupados, ou seja, 700 membros votantes e convidados viram o filme. A Hollywood Reporter dá conta de um incidente raro. Uma das cenas foi acompanhada por aplausos do ilustre público. E das poucas vezes em que isso aconteceu nos últimos anos foi sinónimo de Óscares. Foi o caso dos momentos finais de Argo, filme que viria a arrecadar várias estatuetas.

Numa entrevista, Dr. Dree, que já não vive em Compton e é um bem sucedido produtor musical, diz que queria que quando saíssem do filme as pessoas se sentissem inspiradas.

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