O eventual processo de indemnização contra Jorge Jesus

O Benfica confirmou na última semana que não pagou o último salário a Jorge Jesus e anunciou que irá pedir ao treinador uma indemnização de 7,5 milhões de euros, por rescisão unilateral do contrato que o ligava às ‘águias’

Trata-se de um lamentável e incompreensível imbróglio jurídico. Em primeiro lugar, é gritante a violação do dever de lealdade e respeito do Benfica para com o seu ex-treinador quando, na pendência do contrato, lhe é sugerida a aceitação de uma proposta no estrangeiro (em reunião com Luís Filipe Vieira, a 1 de Junho) e se agenda uma reunião com um empresário desportivo para tratar do seu futuro profissional. Constitui garantia do treinador perante o clube (art. 15º do CCT dos Treinadores) que este não adopte conduta intencional para levar o treinador a cessar o contrato, nem é possível à entidade empregadora prejudicar o exercício do direito ao trabalho após a cessação do contrato.

Em segundo lugar, não se verificou qualquer denúncia unilateral e sem justa causa por parte de Jorge Jesus, como alega o Benfica, mas apenas um desencontro de vontades relativamente ao processo negocial de renovação do contrato. Face a essa evidência, é mais do que lógico que o Benfica procurasse novo treinador e que este, por sua vez, aceitasse a proposta de outro clube.

Entretanto, a 4 de Junho, Jorge Jesus foi impedido de trabalhar, ao não lhe ser permitida a entrada nas instalações no Seixal, o que constitui uma clara violação do dever de ocupação efectiva consagrado nas cláusulas 14.º e 15.º do CCT dos Treinadores e art. 129.º, alínea b, do CT. Consequentemente, celebrou um novo vínculo com o Sporting.

O anúncio da inesperada contratação ocorreu durante o período de férias do treinador, de 1 a 30 de Junho, sendo este um direito irrenunciável do treinador. Durante esse período, à excepção do dever de comparência, é verdade que se mantinham os restantes deveres e direitos contratuais, quer do Benfica quer de Jorge Jesus. Todavia, tanto o anúncio da celebração de contrato de trabalho desportivo com o Sporting (5 de Junho), como a contratação posterior de Rui Vitória pelo Benfica (15 de Junho), atenuam o sinalagma do vínculo ainda existente, sem que obstem ao pagamento do mês de férias.

Ainda que cause celeuma a visita de Jorge Jesus a Alcochete (17 de Junho), o facto é que, além estar no gozo de férias e de o Benfica já ter contratado Rui Vitória – o que, obviamente, impossibilitava o agora técnico do Sporting de exercer quaisquer funções no clube ‘encarnado’ -, o treinador não tinha que manter sigilo sobre o facto público da sua contratação pelos ‘leões’, cujos efeitos se iniciariam apenas a 1 de Julho.

A referida visita a Alcochete não significa por si só que já estivesse em funções no Sporting.

Não descortino qualquer deslealdade no comportamento de Jorge Jesus para com o Benfica, nem razões para que seja concedida qualquer indemnização por incumprimento contratual, sendo inequívoco o direito constitucional de qualquer trabalhador poder procurar trabalho ou melhores condições, ainda que esteja temporariamente ao serviço de outra entidade empregadora.

Independentemente de vaticinar no futuro um inevitável acordo entre as partes, devemos de uma vez por todas aceitar estas transferências desportivas com normalidade e sem dramas, pois o Benfica já obteve muitos títulos com e sem Jorge Jesus, e o Sporting também.

Lúcio Miguel Correia é Docente de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa