Angola não é só kizomba

MCK tem 34 anos. Bonga 72. Há 40 anos de história a separá-los, mas “a longa estrada de censura e perseguição política” em Angola é mote suficiente para a união. Quem o diz é o rapper angolano, ao telefone de Luanda com o SOL, e o momento inédito de ver os dois artistas juntos em…

Enquanto Bonga dispensa apresentações – autor de Angola 72 e Angola 74, discos-chave na luta pela transformação do país –, MCK ainda é um nome relativamente ignorado por cá, mesmo já tendo acumulado louros de revistas como a The Economist, que caracteriza a sua música como “o som da dissidência na Angola rica do petróleo”. O slogan, aliás, é reforçado pelo próprio em temas como ‘Introdução’, de Proibido Ouvir Isto (o seu terceiro álbum, editado em 2011), onde professa que a “música é um instrumento de luta”.

Nada de novo para quem faz do hip hop o seu epicentro criativo, mas que se inspira igualmente na forte tradição oral africana como transmissão de conhecimento e motor de mudança. “Em África, a força da palavra sempre passou entre gerações. A oralidade é um factor decisivo nas civilizações africanas e, nos dias de hoje, a música é o melhor veículo para passar mensagens”. O músico leva à letra esta máxima e mais directo não podia ser. Em ‘O País do Pai Banana’ (canção do primeiro disco, Trincheira das Ideias, 2002) canta: “Os diamantes são deles, o petróleo é deles, a imobiliária é deles, a banca é deles”.

Assumir esta postura – que comunga do hip hop revolucionário que se faz um pouco por toda a África –, ficou claro em 2003, depois da morte do jovem Arsénio Sebastião Cherokee, um lavador de carros de 27 anos assassinado por membros da Guarda Presidencial, à vista de todos, quando cantava uma música de MCK na rua. Na altura, a notícia causou escândalo internacional e acabou por determinar definitivamente a faceta interventiva do rapper. “Era só um músico, mas tornei-me um activista cívico naquele momento”, recorda.

Contra a intimidação

MCK não está sozinho neste movimento, mesmo que assim pareça tendo em conta o sucesso da kizomba ou a proliferação de artistas como Anselmo Ralph no nosso país. O rapper Ikonoklasta é outra das vozes mais fortes desta nova geração de músicos activistas e a sua recente prisão – “há 65 dias”, frisa o músico no dia da conversa com o SOL, no início desta semana –, quando estava reunido com um grupo de jovens numa residência de um bairro central de Luanda, tem gerado uma onda de acções pedindo a sua libertação imediata.

Apesar de nunca ter sido detido, MCK diz que também acumula “uma série de episódios de opressão”, como ver a venda dos seus “discos ou a realização de concertos proibida”, até encontrar a porta de sua casa “arrombada” e o carro com “pneus furados”. “A cronologia é extensa”, comenta, recorrendo ao princípio ‘o que não te destrói torna-te mais forte’ para não se deixar intimidar. É também por isso que está actualmente a tirar uma segunda licenciatura em Direito (é formado em Filosofia), para “poder falar e exigir com maior propriedade o cumprimento da Constituição angolana”.

Sendo esta uma estreia em Lisboa, não sabemos de antemão o que vai acontecer na noite de terça no Musicbox. Mas é fácil prever o tom militante do concerto, já que em Angola é comum ouvir falar dos seus espectáculos como momentos mais intensos do que muitos comícios partidários. MCK garante que nunca teve pretensões políticas. Diz que o seu papel é outro, mesmo quando é constantemente assediado para se juntar à oposição.

alexandra.ho@sol.pt