Magistrados e funcionários pedem ‘correções’ nos tribunais

Há um ano foi o “caos”, com o bloqueio do sistema informático e o novo mapa judiciário. Agora, em vésperas de início do novo ano judicial, os operadores pedem ao Governo, actual e futuro, que não faça mudanças radicais: é preciso “avaliar” o que foi feito, introduzir “correcções” e, sobretudo, contratar mais funcionários e magistrados…

Magistrados e funcionários pedem ‘correções’ nos tribunais

“Vou fazer uma previsão contrária à do ano passado. Vai tudo correr sem sobressaltos, haverá uma continuidade na recuperação do tempo perdido com o caos verificado em 2014 e a manutenção de velhos problemas”, prevê Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, referindo-se aos problemas no Citius (“que persistem”), aos tribunais ainda em obras de remodelação, à falta de funcionários e ao afundamento de certos tribunais centrais, que ganharam competência para todo um distrito e receberam milhares de processos de um dia para o outro (casos das Execuções e Comércio).

Por estes dias, nesta estrutura sindical, os telefones não param de tocar por causa da colocação dos 600 funcionários judiciais que o Ministério da Justiça acaba de contratar e que entrarão agora ao serviço. Mesmo assim, “ainda ficaremos com um défice de 600 funcionários”, pois até Dezembro deverão reformar-se “entre 300 a 400”, explica Fernando Jorge.

Os conselhos superiores das magistraturas e vários presidentes de comarcas já alertaram que muitos tribunais podem parar por falta de funcionários para tramitar os processos.

Reforma em risco de ‘naufragar’

Quem gere no dia-a-dia as comarcas sente na pele as limitações. “A reforma só devia ter avançado quando estivessem criadas condições para isso. E vai naufragar se não se arrepiar caminho em alguns pontos”, diz António Rodrigues da Cunha, juiz-presidente da comarca do Porto, referindo-se à falta de meios humanos e materiais. O exemplo mais gritante é o do Palácio da Justiça do Porto, onde trabalham 35 juízes em apenas 15 salas de audiência. “São necessárias pelo menos mais três”, aponta o magistrado, lembrando que já propôs a criação de uma mega-sala  para acolher os maiores julgamentos no Convento de Santa Clara, em Vila do Conde, que pertence ao Ministério da Justiça. “Isso resolveria definitivamente o problema dos arrendamentos. É absurdo o Estado pagar a privados quando tem espaços disponíveis na cidade”.

Outra fragilidade é a falta de funcionários na comarca (1.100), onde deverão ser colocados em Setembro outros 50 a 60. “Ajuda a tapar buracos, mas não resolve”.

Em Lisboa, a maior comarca do país, são tramitados em média por ano cerca de 500 mil processos e há apenas cerca de 1.100 funcionários. A dimensão “monstruosa” da comarca torna-a quase “ingerível”, diz a juíza-presidente, Amélia Correia de Almeida, que propôs à tutela criar uma nova comarca (Lisboa-Sul) para autonomizar as jurisdições de Almada, Seixal, Barreiro, Moita e Montijo.

Em Setúbal, a par do défice de funcionários (157), arrastam-se os problemas de falta de espaço. O Palácio da Justiça, ainda em obras, ficará em Outubro com 14 salas, mas são necessárias mais duas ou três, diz Manuel Sequeira, juiz-presidente da comarca, para albergar as Execuções, o Comércio, o DIAP e uma sala de testemunhas – que neste momento “deambulam pelos corredores do tribunal”.

“Estou muito apreensivo. A Justiça está com um contencioso no seu interior que tem de ser resolvido”, diz, por seu turno, João Correia, antigo secretário de Estado da Justiça no Governo socialista, numa alusão às críticas dos magistrados por Paula Teixeira da Cruz não ter cumprido a promessa de aprovar novos estatutos. O advogado diz que é preciso criar “tribunais municipais para julgar os pequenos e médios conflitos” (o modelo dos julgados de paz “não resolve”) e completar o mapa judiciário – “mas sem voltar atrás”, porque o anterior “era absolutamente inviável”.

António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do MP, prevê para os próximos meses “uma grande indefinição”, por causa dos períodos eleitorais. “O mapa não está resolvido, o sistema informático tem de ser melhorado, o quadro de funcionários e magistrados reforçado e os estatutos das magistraturas alterados”.

Cerimónia a 16 de Setembro

O rescaldo do novo mapa judiciário deverá marcar a cerimónia oficial de abertura do ano judicial, que pela primeira vez se realiza no mês de Setembro (em vez de finais de Janeiro, como era habitual). É que a nova lei de organização judiciária ditou que o ano judicial deixasse de coincidir com o ano civil, passando a iniciar-se a 1 de Setembro.

Segundo o SOL apurou, a sessão está marcada para 16 de Setembro, mesmo para evitar o período oficial da campanha eleitoral para as legislativas (que se inicia dia 20).

paula.azevedo@sol.pt

sonia.graca@sol.pt