O debate da esquerda que não teve combate

À primeira frase, o debate estava já arrumado. “Se os problemas do país fossem as divergências entre nós, estaria o país bem”. A frase é de Jerónimo de Sousa, no confronto televisivo com Catarina Martins, o primeiro dos frente-a-frente das legislativas. Um debate que se revelaria sem diferenças entre os dois partidos da extrema-esquerda parlamentar.

Na resposta ao líder do PCP, Catarina firmou logo a unanimidade deste pacto de não agressão: as diferenças ente o Bloco e o Partido Comunista “não estão no centro das preocupações das pessoas”. Mais: “o Bloco é muito devedor da luta do PCP”. Para rematar este posicionamento entre as duas forças da esquerda parlamentar, a líder do BE, olhando para o secretário-geral do PCP, afirmou que os dois partidos têm “feito um caminho de convergência”.

A unidade da esquerda também existiu na demarcação de comunistas e bloquistas face ao PS. Não é que ambos recusem participar num governo, pois o Bloco “está disponível para governar”, enquanto o PCP avisa que “não será em nome da estabilidade governativa” que aceitará um assento governamental. O problema, concordam, é o PS que não afirma nenhuma “ruptura” no seu programa, como diz Jerónimo.

Ainda assim o PS não é a direita, diz Catarina, ou, na versão de Jerónimo, o PS “não é um partido de direita”, embora tenha uma prática governativa que não é de esquerda. “Dar uma mãozinha ao PS” – a forma como a líder bloquista define um Governo com o programa do PS – isso é que está fora de questão.

“O problema está do lado de lá”, sintetiza Jerónimo de Sousa na distribuição de culpas pela falta de unidade história da esquerda. “Temos trabalhado com pessoas do PS”, argumenta Catarina sobre as convergências em tempos de oposição

O jornalista à procura da divergência: "a saída do euro”

Os índices de crescimento económico e do desemprego não convencem os dois partidos da esquerda. “É não ter o sentido da medida” concluir que há uma melhoria significativa nas últimas estatísticas, diz Jerónimo, questionado por Vítor Gonçalves sobre “se o pior já passou”. O crescimento de 1,5% não chega e os dados do desemprego, ajudou Catarina Martins, “comparam o que não é comparável”.

E no desemprego há um embuste, considera a líder bloquista, que elevou a voz para criticar o “abuso” dos que saem das estatísticas com programas ocupacionais. “Eu gostava tanto de ficar contente com os números do desemprego!”, chegou a ironizar.

Trinta e cinco minutos depois do início do debate, o moderador procurou um tema em que os dois partidos pudessem expressar diferenças: a preparação da saída do euro. O líder comunista confirmou que o seu partido pondera a necessidade de sair da zona monetária comum. “É irresponsável não fazer um estudo e uma preparação para a saída do euro”, disse, evitando comprometer-se com uma declaração de saída imediata.

“O euro é uma máquina de austeridade”, e “Portugal tem de estar preparado para o rompimento”, enunciou por seu lado Catarina Martins. Mas aquando o jornalista Vítor Gonçalves exultou com “uma primeira diferença” (que seria ténue) entre BE e PCP, neste debate da RTP Informação, Catarina Martins cortou: “não sei se encontrou”.

Conclusão: os dois partidos ponderam a saída do euro, nenhum dos dois afirma que é preciso sair já.

“Malhar” à uma em Paulo Rangel

O tema da justiça e as declarações de Paulo Rangel sobre a maior liberdade da justiça para acusar em tribunal os poderosos proporcionaram uma última tentativa para pôr Catarina contra Jerónimo ou vice-versa. Sem sucesso.

A justiça é manipulável pelo poder político, era a pergunta, que colocava o BE e o PCP numa rota de colisão perigosa com o discurso mais cauteloso sobre os processos judiciais que envolvem José Sócrates e Ricardo Salgado. Ambos evitaram o pântano. “Os problemas políticos não devem ser misturados nem confundidos com questões de justiça”, criticou Jerónimo, visando Paulo Rangel. A independência da justiça é um “bem da democracia”, que não deve ser posto em causa.

Rangel nem “merece resposta” malhou por seu turno a líder bloquista, que aproveitou para criticar os atrasos na investigação do caso BPN. Jerónimo aproveitou a boleia, também para falar do programa comunista.

Nos dois minutos finais, Jerónimo de Sousa apelou ao voto, criticando esta maioria de direita que “não conseguiu tirar a esperança” dos portugueses, que agora nestas eleições vão poder escolher uma alternativa à austeridade e à perda de direitos.

Já Catarina Martins verberou “o centrão” dos negócios e das políticas de direita em que o PS se incluiu e apelou aos indecisos. “Ouviram aqui propostas muito diferentes”, disse a líder do BE. Propostas que são diferentes do governo, é certo, mas que não diferenciaram os dois partidos neste primeiro debate das legislativas.

manuel.a.magalhães@sol.pt