A corrida aos votos…

Se as contas da CNE (Comissão Nacional de Eleições) estiverem certas, teremos a 4 de Outubro quase 3.500 candidatos, a disputar os 230 lugares de deputados, em nome de 16 partidos e coligações.

Fica demonstrado como é ainda apetecível garantir um assento no hemiciclo de São Bento e como se avoluma a lista de disponíveis para servirem a Grei. Alguns afirmam-se tribunos. A maioria assina o ponto.

À esquerda, há propostas para todos os gostos, com relevo para os dissidentes do Bloco, mais fraturado do que o atual Syriza. À direita, a oferta é menor. E, no meio da confusão ideológica, ainda sobeja espaço para quem dedique o seu tempo a defender causas tão ecológicas como os animais e a natureza.

Queixam-se os pequenos partidos emergentes – com meia dúzia de noviços nestas andanças – das dificuldades de financiamento e do acesso aos media.

E, como o dinheiro no bolso dos ‘ativistas’ é curto para as despesas de campanha, prometem recorrer às incontornáveis ‘redes sociais’, onde os ‘grandes’ também já assentaram praça, com ‘tropas’ profissionais bem treinadas.

A internet constitui hoje o ‘santo e a senha’ de antigos e novos candidatos a oficiantes, desejosos de pastorearem o país.

À distância de um mês, a corrida às legislativas parece libertar-se, finalmente, da apatia de agosto, que nunca foi propício a comícios e arruadas.

Para sacudir o torpor das águas, Cavaco aproveitou para recuperar a sua oração de fé numa maioria pós-eleitoral, nem que seja por via de um acordo de incidência parlamentar.

O problema é que, se não houver maioria e se o PS não vencer, sequer, com uma vantagem ‘pequenina’, António Costa iniciará o caminho do calvário. E ele sabe-o.

Basta reparar em alguns sinais, interiores e exteriores ao partido. A descrença já contagiou, até, alguns insuspeitos colunistas, tendencialmente afetos ao PS.

O filósofo José Gil é um deles. Escreveu há dias na revista Visão, desiludido, que “o PS uno, coeso e afirmativo, no espaço político português não existe. O PS está no limbo. Tal não é o caso da coligação que está no poder”.

Não faltará quem concorde com a sua tese. À coligação, aparentemente, basta não cometer deslizes até Outubro. E adotar uma estratégia de desgaste, como praticou na Universidade de Verão, em Castelo de Vide,

Os seus trunfos são as boas notícias que o INE continua a divulgar sobre os indicadores de confiança em alta, o desnorte do PS em campanha, além da confusão grega a caminho de outras eleições gerais, com resultados incertos.

Se o Syriza tivesse vergado Bruxelas, o futuro sorria aos extremos. Assim, com outro pacote de austeridade, ainda mais gravoso, a troco do terceiro resgate, os radicais estarão condenados a cumprir o memorando. A menos que saiam de cena nas eleições do próximo dia 20.

Mesmo que a prisão de Sócrates ou de Salgado não inferfira, por pudor, nos debates que se seguem – e Paulo Rangel soube lançar a controvérsia, com luva de pelica -, o cenário é ingrato para António Costa. A pulverização de partidos à esquerda também não ajuda à festa.

Arguto de velha cepa e sem nada a perder, Jerónimo de Sousa estendeu a mão a Costa, oferecendo-lhe dois presentes envenenados: o primeiro, ao admitir que o PCP poderia apoiar um ‘candidato independente’ às presidenciais, eufemismo que desemboca em Sampaio da Nóvoa; o segundo, ao manifestar disponibilidade para os comunistas participarem num futuro Governo.

É uma oportunidade dada de bandeja à coligação, se não se distrair. Numa Europa de onde desapareceram os partidos comunistas mais influentes, Jerónimo já oferece os préstimos da CDU (disfarce antigo do PCP), juntando-se, se der jeito, a alguns ativistas das franjas de esquerda, namorados pelo líder socialista.

Estranho país onde o ortodoxo PCP, sem nunca abdicar de nada, conseguiu resistir no seu bunker e aproveitar a crise para se revigorar, afoitando-se na promessa de viabilizar uma alternativa, com fé na maioria de esquerda.

Na corrida aos votos, o sprint final conta muito. A coligação que se cuide…

NOTA – O novo acordo ortográfico entra hoje em vigor no Sol. Compreendem-se as razões da Direção deste jornal. Compreende-se menos a imposição, por decreto, de um projeto extravagante, lesivo da Língua portuguesa. Um dos erros dos mandatos de Cavaco Silva.

Não será com este acordo, como se tem visto, que o Português ganhará maior cidadania nos países lusófonos. Nem será com esta mudança que a disciplina de Português se valorizará nas escolas. Escreve-se e fala-se cada vez pior Português. Sabe-se como professores e alunos, não raramente, competem na asneira.

Consuma-se o atentado contra a Língua portuguesa, ao qual sempre se opôs o saudoso Vasco Graça Moura. Junto-me à sua memória, com um voto de vencido.

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 04/09/2015