O Japão e a Guerra do Pacífico

Setenta anos depois da bomba atómica, ganha força no Japão uma corrente histórica que contesta a narrativa ocidental da guerra do Pacífico.     

Para esta escola revisionista, terá sido o receio da administração Roosevelt da política ‘Ásia para os asiáticos’ do Governo japonês que levou Washington a provocar o Japão com cortes de abastecimento energético e sanções para o forçar a abrir as hostilidades.

A argumentação ideológica e factual dos seguidores desta corrente está exposta no museu de Yushukan, em Tóquio, perto do Santuário de Yasukuni, consagrado aos mortos japoneses da guerra, incluindo os condenados por ‘crimes de guerra’ – crimes de guerra esses que o grupo nega ou minimiza como exageros da propaganda inimiga.

Assim, os massacres de Nanquim e de Singapura, o saque de Manila, as ‘experiências’ bioquímicas na Manchúria, os trabalhos forçados e outras humilhações aos prisioneiros (como as famosas ‘Estações de Descanso’, em que mulheres de países conquistados eram obrigadas a prostituir-se com os militares japoneses), ou não terão ocorrido ou terão uma explicação alternativa, podendo, de qualquer modo, imputar-se aos americanos crimes de guerra piores ou equivalentes (como as bombas incendiárias sobre as cidades japonesas e as bombas atómicas de Hiroxima e Nagasáqui).

Note-se que este negacionismo inclui personalidades importantes, como o presidente da NHK (a Rádio Nacional do Japão), que recentemente declarou que “o massacre de Nanquim nunca existiu”. Há também quem defenda que Truman e os seus conselheiros eram racistas e que ‘experimentaram’ a bomba contra os asiáticos para assustarem os soviéticos, no limiar da Guerra Fria.

A reivindicação de um nacionalismo japonês pós-guerra, antes animada por pequenos grupos ativistas, como a Sociedade Patriótica liderada pelo escritor Yukio Mishima, foi-se reforçando com o Governo do atual primeiro-ministro Shinzo Abe, sobretudo a partir da remodelação de setembro de 2014, em que lugares decisivos do gabinete foram ocupados por membros da Nippon Kaigi (Conferência do Japão), uma associação patriótica que se tem dedicado à revisão da História Moderna do Japão a fim de a libertar de um ‘currículo masoquista’. O Kaigi tem cerca de 35.000 associados efetivos e 289 dos 722 membros da Dieta nacional (Parlamento de Tóquio), fazem parte do grupo.

O Japão de Abe parece ter em vista uma restauração do papel político e militar do país correspondente à sua dimensão económica, considerando também o crescente poder da República Popular da China. São dois nacionalismos antigos – de nações que se guerrearam e humilharam mutuamente e se consideram hostilizadas e humilhadas pelos ocidentais.

Desta equação pode resultar uma história interessante – mas também perigosa.