Atenção às contas externas

Em Portugal fala-se muito do défice. Mas, quase sempre, é do défice das contas do Estado que se trata. Algo muito importante, decerto, porque as regras da moeda única têm a ver com as contas públicas. Mas o endividamento das famílias e sobretudo das empresas não é menos relevante.

Acontece que estes três endividamentos – das administrações públicas, das empresas privadas e públicas e das famílias – em grande parte acabam por se reflectir num outro défice: o défice externo, através do crédito estrangeiro. Quando tínhamos o escudo, as contas externas muito desequilibradas significavam escassez de divisas no Banco de Portugal para importar petróleo, cereais, etc. Foi o que aconteceu em 1978 e 1983, quando os nossos credores estrangeiros só nos emprestavam mais dinheiro desde que o FMI nos impusesse um programa de austeridade e uma forte desvalorização cambial.

Essas duas intervenções do FMI tiveram sucesso: a desvalorização do escudo embarateceu as nossas exportações, tornando-as mais competitivas, e encareceu as importações. As contas externas do país tornaram-se positivas. Só que, em ambas as vezes, foi sol de pouca dura: o encarecimento das importações fazia subir a inflação e daí a algum tempo as exportações voltavam a perder a competitividade ganha com a desvalorização. Um ciclo vicioso.

Depois de entrarmos no euro, deixámos de poder desvalorizar a moeda. Houve então quem defendesse que, numa união monetária, não teríamos mais que nos preocupar com défices externos. Por muito que a balança de pagamentos se desequilibrasse, sempre encontraríamos no mercado quem nos emprestasse dinheiro. De facto, assim aconteceu durante anos – e a taxas de juro apenas ligeiramente superiores às da Alemanha.

Recorde-se que entre 2000 e 2010 Portugal teve défices externos várias vezes superiores a 10% do PIB (12% em 2008). Mas, com o rebentar da crise na Grécia, em 2010, os credores acordaram para a realidade e passaram a diferenciar os juros exigidos consoante a credibilidade do Estado da Zona Euro ao qual emprestavam.

Só que permaneceu a ideia de que o défice externo é coisa de limitada relevância. Quando era primeiro-ministro Sócrates raramente falava dele. Agora, com António Costa e os seus economistas (cuja competência profissional não questiono), o PS não parece preocupar-se por aí além com a manutenção futura de excedentes na balança de pagamentos.

No documento macroeconómico do PS de Abril, Uma década para Portugal, preveem-se excedentes – em 2019, segundo essas estimativas, o saldo positivo da balança corrente e de capital atingiria 7,2% do PIB. O problema está em que não se vê como. Concretamente, como evitar que um estímulo à economia pela via do aumento do rendimento das famílias – ou seja, do consumo – não conduza a uma excessiva subida das importações. E as medidas anunciadas pelo PS em Agosto acrescentam 1.441 milhões de euros ao défice orçamental – mas nada se diz quanto ao défice externo. 

Aliás, a subida do consumo que já começou leva a uma subida das importações. O crédito bancário ao consumo deve aumentar este ano à volta de 15%. A maior parte desse crédito destina-se a financiar a compra (logo, a importação) de automóveis.

Mais atenção, portanto, às contas externas. É aí que se joga o nosso futuro económico.

P.S. Esta coluna vai para férias. Regressa no início de Outubro