Quanto mais plural melhor. Branko lança álbum a solo

Sempre que tem um trabalho quase pronto, o ciclo repete-se: o estúdio enche-se de confidentes e Branko acumula opiniões. Kalaf – um dos seus cúmplices mais recorrentes, com quem João Barbosa (nome de batismo do produtor) criou os Buraka Som Sistema, a editora Enchufada e a marca de roupa Rest of the World – é…

Testar os temas que cria fora do seu contexto profissional, sujeitando-os à avaliação de ouvidos menos treinados à eletrónica, é uma espécie de sondagem prévia só para, garante, estar informado. O objetivo não é ter uma reação positiva ou negativa, mas sim perceber como as músicas se encaixam na vida quotidiana de trabalho, lazer e família. E esta ideia ganha ainda mais relevância com Atlas, o primeiro longa-duração a solo de Branko, já nas lojas, uma vez que o registo não foi feito a pensar na pista de dança.

Nas primeiras audições, o que sobressai de imediato em Atlas é a sonoridade “menos gritante” do registo, característica algo inesperada, tendo em conta o percurso de Branko ao lado dos Buraka Som Sistema. “Sabia que estava a fazer um disco mais calmo, mas não foi uma decisão planeada para me demarcar da banda. Foi mais tomar consciência de que isto sou eu agora”.

Sozinho, sem a contaminação normal de outros músicos quando se faz parte de uma banda, percebeu que estava interessado em explorar loops e ambientes pairantes, apostando num imaginário mais caseiro em termos de audição. Nada melhor, então, do que usar como cobaia um amigo de infância, pai de três filhos e que sustenta a família com uma empresa de ar condicionados. O veredito chegou depois de umas férias nos Açores, com o amigo com quem Branko cresceu na Amadora a dizer-lhe que “algumas músicas passaram rapidamente a fazer parte de situações do dia a dia, como um jantar à mesa com os miúdos a cantarolar”, enquanto outras “mais abstratas” não vingaram.

Esta busca pela pluralidade, seja de sonoridades ou de opiniões, é recorrente em Branko. Crescer num subúrbio como a Amadora – exposto a influências tão simples (mas decisivas) como uma noite ir “jantar a casa de um amigo e comer cachupa e, na outra, carne assada” – dotou-o dessa qualidade desde tenra idade, mesmo que na altura não intelectualizasse nada do que absorvia. “Soube cedo que nada é absoluto. No liceu, podíamos pensar e ter gostos diferentes, mas a partilha era direta e éramos julgados pelas nossas opções. Isso transformou-me em alguém mais tolerante”.

Daí que, quando entrou para a Universidade Católica, para tirar o curso de Direito, não se tenha sentido deslocado na instituição. “Não foi o sítio onde fiz mais amigos para a vida, mas há sempre aqueles cinco com quem fumar ganzas no carro”, diz, divertido, concluindo: “Nunca digo ‘odeio isto ou aquilo’ ou sinto que tenho de escolher um lado da barricada. Isso só fecha portas. Prefiro ter pontos de vista sobre as circunstâncias”.    

Essa diversidade é parte da força motora do trabalho que tem desenvolvido como produtor em nome próprio ou ao lado dos Buraka Som Sistema e Atlas não se desvia desse trajeto. Daí que Branko tenha viajado pelo globo a recolher colaborações com músicos dos mais variados estilos e os dez temas que compõem o disco espelham coordenadas geográficas de cidades distintas (Amesterdão, São Paulo, Nova Iorque, Cidade do Cabo e Lisboa). É por isso que, por exemplo, em ‘Let Me Go’ ouvimos um dialeto sul-africano intrometer-se em rimas cantadas num inglês universal, ou em ‘Paris – Marselha’ o ritmo libidinoso do crioulo de Cachupa Psicadélica. “Queria colaborar com pessoas que estão à procura de algo diferente. Um dos momentos mais relevantes de um músico é quando consegue afirmar a sua personalidade e quis trazer esses elementos para o disco”, comenta o produtor, esclarecendo que não impôs nada aos convidados. “A [sul-africana] Nonku Phiri disse-me que preferia cantar em venda [dialeto local] porque com a sonoridade daquela língua consegue criar coisas diferentes em termos de flutuação de notas”. O produtor encorajou-a de imediato, valorizando mais uma vez a mestiçagem cultural que marcou, inclusive, a criação há dez anos dos Buraka Som Sistema, banda que há três semanas anunciou uma pausa indeterminada: “Estava na altura de irmos para estúdio, mas antes de darmos esse passo queremos dar um tempo e reavaliar o projeto”, justifica.

São exemplos como o de Nonku Phiri que não fazem Branko duvidar que, mesmo nos dias de hoje, em que impera a ideia de que já tudo foi inventado, ainda é possível descobrir música urbana nova. Essa certeza ficou ainda mais nítida no final de 2013, quando assinou uma residência de seis meses na BBC Radio One, e passou a ter o email literalmente invadido por propostas musicais que desconhecia. “Já recebia muita música, mas a partir daquele momento fez-se luz em relação a todas estas micro-revoluções culturais que acontecem espalhadas pelo planeta e que apresentam direções novas sobre para onde a música pode ir no futuro”.

Nada muito diferente, aliás, daquilo que os próprios Buraka fizeram quando se estrearam em 2006 com From Buraka to the World. Branko fala sem modéstias sobre o impacto da banda no panorama cultural português, mas é mais reservado no que toca à perceção que os ouvintes têm da mesma. “Ainda não sei se as pessoas realmente entenderam a mensagem – que os Buraka deram voz a uma geração que cresceu como eu, rodeado de imensas influências e numa cidade que reúne múltiplas culturas -, ou se fomos só umas músicas que iam tocando ao fundo. Não acho que os Buraka sejam uma banda que teve, por exemplo, uma aceitação como os Da Weasel”.

‘Será que não?’, contrapomos, uma vez que ‘Kalemba (Wegue Wegue)’ tornou-se tão popular como ‘Dialetos da Ternura’, com o seu refrão ‘faz, faz, baba’, ou ‘Re-Tratamento’, onde se canta ‘olá nina, quero tratar de ti’. “O ‘Kalemba’ virou quase um ‘ai ai ai minha machadinha’, mas só porque um hipopótamo falante [Popota] o adaptou para um anúncio”, diz o produtor, concordando, porém, que foi nesta altura que os Buraka chegaram a toda a gente. Ainda assim, reforça: “Quando se quebram barreiras culturais cria-se uma proximidade. Quando entendes uma cena cultural passas a ter um link com essa realidade e é essa diversidade que me motiva”.

Branko apresenta "Atlas" amanhã à noite, dia 10, em concerto na Galeria Zé dos Bóis, em Lisboa.

alexandra.ho@sol.pt