Casas de banho

Sempre que precisa de ir aos lavabos num local público – um café, um restaurante, uma estação de serviço, uma feira ou um salão de exposições – a minha mulher diz invariavelmente: «Vamos ver em que estado está a casa de banho».

Devo dizer que a preocupação excessiva com a limpeza me incomoda. Não por gostar da sujidade, como é evidente, mas porque somos um país latino, com largas zonas colonizadas por árabes, pelo que não podemos comparar-nos aos povos do norte – onde tudo é clean e bacteriologicamente puro.

Quando vamos ao Norte de África e vemos a promiscuidade em que muitas daquelas pessoas vivem, percebemos que nós não poderíamos ser muito melhores do que somos. Os árabes estiveram em Portugal, não nos esqueçamos, durante sete séculos, até ao século XV, e muitos ficaram por cá e misturaram-se com as populações autóctones.

Mas, mesmo sendo compreensivo em relação a uma certa falta de asseio, fiquei chocado um dia destes com a situação que encontrei na casa de banho de um restaurante razoável da periferia de Lisboa, onde vão pessoas da classe média.

Quando entrei, vi que havia três urinóis e que um deles estava avariado. Tinha um ar deplorável e ostentava uma folha de papel em cima onde se lia «Avariado» – aviso que era perfeitamente dispensável em função do que estava à vista.

Quando chegou a altura de lavar as mãos, não havia sabonete nem sabão. Mas na parede existia um daqueles pequenos depósitos onde se coloca sabonete líquido. Porém, estava vazio. E, pior do que isso, tinha aspeto de não ser abastecido há muito tempo. 

Não tive assim outro remédio senão lavar as mãos só com água. As torneiras eram daquelas onde se carrega num botão para a água sair. Normalmente, prime-se o botão – e a água fica a correr por um certo tempo, às vezes demasiado. Chega a meter dó a água que se desperdiça. Mas ali verificou-se precisamente o contrário: a água só corria enquanto se carregava no botão. Assim, era impossível lavar as duas mãos ao mesmo tempo e muito menos esfregá-las uma na outra. A única solução foi ‘lavar’ uma mão de cada vez: carreguei no botão com uma das mãos, pus a outra debaixo de água, depois troquei de mãos e repeti a operação.

Como é de calcular, faltando o sabonete e tendo de lavar as mãos ‘à vez’, estas ficaram bastante mal lavadas. 

A operação seguinte foi limpá-las. Procurei o recipiente dos toalhetes de papel – mas estava vazio. Percorri com os olhos as paredes à procura de um secador de mãos, de facto existia um – mas não funcionava. Ainda tive a esperança de haver um daqueles aparelhos que têm uma toalha de pano que se puxa e vai rolando, mas havia. 

Enfim, saí da casa de banho com as mãos mal lavadas e molhadas. Tive de ‘roubar’ um guardanapo de papel na sala do restaurante para as limpar. 

Como comecei por explicar, não tenho a obsessão das limpezas. Mas aquilo também era demais. Os proprietários dos restaurantes deviam perceber que, para muitos clientes, a higiene da casa de banho dá uma medida da higiene do próprio restaurante. «Se eles têm as casas de banho neste estado, como estarão as cozinhas?» – é a pergunta que muita gente fará.

A higiene das casas de banho acaba por ser uma espécie de cartão-de-visita do estabelecimento e devia ser encarada com muito cuidado. 

E há que pensar um bocadinho nos turistas – que nos visitam cada vez em maior número e têm um peso importante na nossa economia, dando emprego a muita gente. É que, se nós já estamos habituados a um certo grau de sujidade, e fechamos os olhos a certas situações menos recomendáveis, os estrangeiros que nos visitam – muitos deles vindos de países mais a Norte, com outros hábitos de higiene – sentem-se chocados. 

Não é a primeira vez que ouço queixas de turistas. Que, como é natural, associam essa falta de higiene aos hábitos do nosso povo – concluindo que nos encontramos ainda num estádio muito primitivo de desenvolvimento. O que até certo ponto é verdade, mas dói. 

Uma casa de banho limpa dá-nos uma imagem positiva do sítio onde estamos. Mostra asseio, preocupação com os visitantes (sejam portugueses ou estrangeiros) e um certo desenvolvimento civilizacional. 

Claro que o asseio não se pode resumir aos WC e tem de ser uma preocupação geral. Ainda há muitos cafés e restaurantes onde os empregados limpam as mesas para o chão. As migalhas, os restos de comida que caem dos pratos, tudo isso vai implacavelmente parar ao chão – empurrado pelo pano húmido usado para limpar as mesas. 

É certo que, nas cidades, as pessoas hoje são mais cuidadosas do que há 20 ou 30 anos. Até certa altura, tudo – desde pacotes de castanhas a embalagens de cigarros, desde garrafas a jornais – era atirado para o chão das ruas. E os homens cuspiam para lá com a maior naturalidade. Hoje isso já raramente acontece. E, quando acontece, o desmazelado corre o risco de ouvir uma raspanete. Já vi pessoas serem chamadas à razão por isso. 

Um certo grau de asseio que os peões nas cidades já revelam não é seguido, contudo, pelos automobilistas e respetivos acompanhantes, que continuam a deitar muita coisa dos carros para fora. Em sítios onde os automóveis ficam muito tempo parados em fila, é comum ver-se a valeta carregada de destroços: embalagens de iogurtes, pacotes vazios de batatas fritas, beatas de cigarros, garrafas de sumos diversos, copos de plástico, etc. 

Sempre que me deparo com esse espetáculo lembro-me da célebre reportagem radiofónica em direto onde Sousa Cintra, tentando deitar uma garrafa pela janela do carro, atira-a contra o vidro – ouvindo-se a seguir o ruído inconfundível de vidros partidos.

Mudar os hábitos de um povo inteiro não é fácil. Mas não será exagerado pedir aos responsáveis dos cafés e restaurantes, dos mais modestos aos mais pretensiosos, para manterem nos seus estabelecimentos as casas de banho asseadas. Os clientes agradecem – e eles beneficiam. 

Porque quem vai a uma casa de banho e encontra o chavascal em que algumas se encontram, dificilmente terá vontade de voltar a esse sítio. 

A imagem de sujidade de um WC acaba por afetar toda a memória com que ficamos de um café, de um restaurante ou de outro lugar público. Mesmo não sendo eu um obcecado pela limpeza, dificilmente esquecerei a situação que atrás descrevi e que suscitou esta crónica. 

jas@sol.pt