Uma educação de miséria

Três temas têm estado escandalosamente ausentes dos debates eleitorais: a Justiça, a Educação e a Cultura. Não por acaso, as três áreas políticas que se ocupam dos valores que orientam uma sociedade e do pensamento e da criação que a transformam. 

Sempre que muda o Governo, muda a designação de vários Ministérios (alguns até são extintos, como sucedeu ao da Cultura), o que representa de imediato um acréscimo de gastos (em vidros, logótipos, papelada) e um desperdício de tempo (novas portarias e legislação interna). A bem de quem? Do cidadão e do Orçamento do Estado nunca é. Cada novo Governo insiste em demarcar o seu território através destas irrelevâncias, descurando o essencial. Na Educação, o essencial deveria ser a solidez e continuidade dos programas  –  mas  as  famosas ‘metas curriculares’, abstrusas e pomposas na sua formulação, mudam continuamente. 

Este ano, saiu das metas esse pormenor despiciendo que é a educação sexual dos adolescentes. Alguma santa alma deve ter cogitado, na sua infinita inocência, que se não se falar de sexo aos meninos de 15 anos eles nem vão lembrar-se de que isso existe.

Portugal tem a 8.ª taxa mais alta de gravidez adolescente e uma percentagem assustadora de adolescentes pratica sexo sem preservativo.  Alega-se  que  esta  matéria fundamental será administrada ‘transversalmente’ em várias disciplinas, incluindo História e Geografia. Estou farta do eufemismo do ‘transversal’: os adolescentes têm inteligência suficiente para fazer os cruzamentos transversais que quiserem; ao Estado cabe dar-lhes conhecimentos científicos verticais, concretos, para que eles possam tomar as suas decisões. 

Diz a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 74, que incumbe ao Estado «assegurar o ensino básico, universal e gratuito». Ora, este imperativo constitucional é pura e simplesmente ignorado. Os manuais escolares do ensino obrigatório não só não são gratuitos – como sucede em todos os países nórdicos, em Inglaterra, em França e mesmo nesse papão capitalista que são os Estados Unidos da América  –  como  são  acintosamente caros.

Há manuais que custam quase 40 euros. Acresce que o volume de manuais necessários tem vindo a aumentar de ano para ano: ao livro-base (que já não é um, são, de um modo geral, dois, para render mais) acrescem os vários ‘cadernos de atividades’ e de ‘exercícios’. Os jovens passeiam-se de casa para a escola com bibliotecas inteiras às costas, para mal do futuro das suas colunas vertebrais.

Vejo uma grande excitação em torno do remendo chamado ‘bancos de livros usados’. Os meninos com livros usados (e, nalguns casos, riscados e escortanhados) sentir-se-ão de imediato diminuídos face aos colegas. Até porque esses meninos são também os que menos livros têm em casa, e menos possibilidade de ajuda nos trabalhos escolares encontram junto dos pais. Não entendo porque é que os manuais mudam a cada dois ou três anos, implicando gastos suplementares para as famílias com muitos filhos.

Nem entendo como é que os manuais são tão caros – em particular os de matérias como Português ou Filosofia, compostos maioritariamente por textos gratuitos de escritores ou filósofos. Há uma prática recorrente e terrível, nesses manuais: a adulteração de textos (crónicas, excertos de romances ou poemas) de autores vivos, através de um corta-e-cola muitas vezes mortal e sem que os próprios sejam sequer informados. 

Enfim: quando se decidirá o Estado a cumprir a Constituição e tornar o ensino obrigatório efetivamente gratuito?