O dia em que Lascaux acordou para o mundo

Há hoje poucos programas na televisão que me façam parar, ainda assim de vez quando tenho boas surpresas. Uma delas foi Visita Guiada, o excelente programa de Paula Moura Pinheiro na RTP2. Cada semana a jornalista visita um museu ou monumento e, com a ajuda do anfitrião, conta de forma viva e estimulante a história…

O facto de aquele conjunto ser desconhecido ainda há pouco mais de duas décadas deu-me que pensar. Como na história de Aladino e a lâmpada mágica, as gravuras estiveram adormecidas durante 30 mil anos, ou coisa parecida, até que a construção de uma barragem que ameaçava sepultá-las sob as águas acabou, ironicamente, por precipitar a sua salvação. 

Esse episódio com final feliz recordou-me um outro que se passou em França há precisamente 75 anos. A 8 de setembro de 1940, um jovem estava num descampado da Dordonha com o seu cão quando este foi atrás de um coelho e desapareceu num buraco. O jovem voltou quatro dias depois com três amigos e juntos foram investigar a cavidade que ‘engolira’ o seu animal de estimação.

Aquilo que encontraram deixou-os abismados: paredes e tetos cobertos com pinturas de animais feitas pelos nossos antepassados há cerca de 20 mil anos – nada mais, nada menos do que a famosa gruta de Lascaux, a que muitos chamam a ‘Capela Sistina da arte parietal’. E, tal como a Capela Sistina, Lascaux tornou-se um lugar de romaria desde a sua abertura ao público em 1948.

No espaço de 15 anos, a invasão de turistas começou a cobrar a sua fatura. A respiração de milhares de pessoas, o calor, a humidade, o movimento romperam o equilíbrio ambiental da gruta e levaram a um processo de deterioração das imagens que se impunha travar. Isso foi em 1963. Em 1983, vinte anos depois, abria Lascaux II, uma réplica perfeita da gruta original. 

Numa altura em que planeávamos uma viagem por aquelas bandas, sugeri à minha mulher que visitássemos Lascaux II. Recebi um rotundo não. «Mas é igualzinha à outra», expliquei. «Nem dás pela diferença». Mas a minha mulher não se deixou convencer e acabámos por pôr a ideia de parte. 

Embora me agrade a ideia de poder, através da réplica, experienciar Lascaux sem causar danos nesta relíquia da humanidade, tenho de reconhecer que compreendo bem a relutância da minha mulher. Ainda que nem demos pela diferença, como argumentei, por muito bem feita que seja, falta à imitação contemporânea o caráter sagrado e a magia de aquelas paredes e aqueles tetos terem sido tocados pelas mãos dos homens de há 20 mil anos. Magia – creio que é essa a palavra certa. Pensando bem, talvez estejamos mais próximos dos nossos antepassados da Pré-História do que imaginávamos. 

jose.c.saraiva@ionline.pt