O caso de Andre Carrillo

Desde a semana passada que, diariamente, os diversos meios de comunicação de social, afoitos aos acontecimentos desportivos cá do burgo, têm especulado muito, ora sobre a renovação ou não renovação de André Carrillo com o Sporting, ora sobre a sua exclusão das escolhas de Jorge Jesus quanto à lista de convocados.

Refira-se que esta autêntica novela peruana durou todo o verão e, entre os naturais avanços e recuos negociais do Sporting com o jogador, e em especial com o seu representante, os acontecimentos recentes demonstram que as últimas negociações não tiveram o desfecho desejável para o clube leonino.

Assim, é preciso, muito sumariamente, esclarecer e decifrar juridicamente e não só alguns comportamentos de ambas as partes e não especular ou fantasiar tanto sobre os mesmos.

Do ponto de vista jurídico, como se sabe, o vínculo laboral desportivo celebrado entre um jogador de futebol profissional e a sua entidade empregadora desportiva tem obrigatoriamente um termo, não podendo genericamente, nenhuma das partes, antes do último dia em que o contrato caduca, fazer cessar o mesmo, por livre iniciativa ou sem justa causa para o efeito, através de processo disciplinar prévio.

A maior parte dos juristas consideram o aludido termo como sendo eminentemente estabilizador, conferindo segurança ao clube e ao jogador na execução temporal do mencionado contrato. Nos meus escritos, desde há muito que defendo, atendendo à velocidade e quantidade de transferências, sobretudo de futebol, que ocorrem em cada janela de verão e/ou de inverno, que o referido termo contratual não confere estabilidade contratual nenhuma. As partes estão sempre dependentes das leis da oferta e da procura, em especial dos clubes das cinco ligas mais poderosas da Europa, grandes impulsionadoras do mercado de transferências.

Deste modo, tendo em conta a situação em análise, em termos genéricos, nem o Sporting pode despedir o jogador sem a verificação de justa causa, nem Andre Carrillo pode fazer cessar o contrato sem igual motivo, antes da verificação do seu termo.

Durante a vigência do contrato, para além do fundamental dever de boa-fé, que deve reger todo e qualquer vínculo laboral desportivo, é importante esclarecer que o contrato de trabalho desportivo não é de renovação automática. O que implica, necessariamente, que ambas as partes reúnam e cheguem a acordo para a prorrogação do vínculo em vigor, de preferência até seis meses antes do termo se verificar, sob pena do jogador poder vincular-se livremente a outro clube, ainda que sem a cessação do vínculo com o anterior.

Por outro lado, de acordo com as normas da FIFA, também não é permitido ao jogador Andre Carrillo celebrar pré-contrato ou contrato-promessa de contrato de trabalho desportivo com outra entidade empregadora desportiva antes de Janeiro de 2016, o que torna ainda mais complexa e urgente a negociação com o Sporting, atendendo a que já estamos em finais de Setembro de 2015.

Nesta matéria, muito se tem escrito e sobretudo especulado sobre a existência de um eventual acordo entre o jogador e outro clube, que leva a que as negociações com o Sporting estejam previamente destinadas ao fracasso. Todavia, e porque a ser verdade esta situação poderia originar ulteriores sanções desportivas quer ao jogador, quer ao clube com o qual se tenha entretanto vinculado, nos termos do disposto no art. 18.º n.º 3 do Regulamento de Estatuto de Jogadores e Transferências da FIFA, o grande problema desta questão é a produção de prova de que aquele pretenso acordo efetivamente existe, ainda que verbalmente. E sem isso não pode existir, sequer, processo disciplinar ao jogador.

Outra questão essencial que resulta deste caso é a recente exclusão do jogador peruano das convocatórias do técnico Jorge Jesus. Estarão a ser ofendidos direitos essenciais do jogador, que consubstanciem uma eventual cessação por justa causa? Ou será que o Sporting tem a faculdade de manter o atleta sem competir, até à verificação do termo do contrato, ou seja, em finais de Junho de 2016?

Como se sabe, relativamente à execução do contrato de trabalho desportivo, o regime jurídico previsto na Lei nº 28/98, de 26 de Junho, bem como o Contrato Coletivo de Trabalho dos jogadores profissionais de futebol, consagrou o dever de ocupação efetiva (art. 12.º al. c)). Porém, o direito de ocupação efetiva restringe-se apenas aos treinos e outras atividades preparatórias ou instrumentais da competição desportiva, devendo, contudo, o atleta manter-se inserido no grupo normal de trabalho, tal como os restantes colegas de equipa.

No meu entendimento, proporcionar ao jogador boas condições de trabalho, assegurando os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções, não determina que o treinador Jorge Jesus não possa, por razões mais ou menos objetivas, optar por outros colegas em detrimento de Andre Carrillo.

Sem prejuízo do disposto no art. 15.º do Regulamento de Estatuto de Jogadores e Transferências da FIFA, nenhum jogador pode justificar a cessação por justa causa de um vínculo laboral apenas por não fazer parte das escolhas de um treinador.

O direito de um jogador se arrogar a ser convocado ou jogar a titular, em todos os jogos e competições desportivas realizados pela respetiva entidade empregadora desportiva, é algo que não existe no plano legal. Não constitui uma garantia convencional ou contratual do atleta, nem uma ofensa ou prejuízo do direito ao trabalho previsto na Constituição da Republica Portuguesa, o facto de um atleta ser frequentemente preterido por razões de carácter técnico, físico ou psicológico pelo seu treinador.

Situação diferente, a meu ver, seria o facto do atleta em causa ter sido afastado, sem qualquer razão técnica e/ou disciplinar prévia do grupo normal de trabalho. Nesta situação particular, não poucas vezes frequentes no Direito Laboral Desportivo, sempre defendi que são afetadas as condições de prestação do trabalho do jogador, não sendo assegurados os meios técnicos e humanos necessários ao bom desempenho das suas funções. Traduz-se sobretudo num intolerável e injustificado entorpecer à prestação efetiva de trabalho, que se pode subsumir numa clara situação de cessação do vínculo laboral por justa causa a favor do atleta.

Mas a grande verdade no meio disto tudo é que esta situação intermitente não agrada a nenhuma das partes. A meu ver, neste caso, o jogador tem algo mais a perder do que o Sporting. Estar praticamente inativo durante quase uma época desportiva, numa carreira que no máximo dura 20 anos, é bastante pior do que a substituição de um determinado jogador – ainda que de valor inegável – num clube que é centenário e tem outros valores em crescendo.

Será que ainda é possível um volte face? Ou será que o tempo dará razão aos que acusam o jogador de já estar comprometido com um outro clube? O futuro o dirá.

*Docente de Direito do Desporto na Universidade Lusíada de Lisboa