A ópera deixa cair a máscara

      

É natural que o leitor conheça a Turandot de Puccini, mas nunca tenha ouvido falar de Carlo Gozzi, que escreveu a peça que lhe dá origem. Isto porque o texto do italiano apenas foi quinta-feira representado pela primeira vez em Portugal, na estreia da encenação de João Cardoso no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto. E é o próprio que confirma que, mesmo na Europa, “Gozzi não é muito representado”, ao contrário da ópera, a 17.ª mais vezes produzida a nível mundial, de acordo com o sítio Operabase. O fenómeno tem o seu quê de estranho, até porque o texto, datado de 1762, é “mais leve” do que a abordagem de Puccini.

“O confronto entre comédia e tragédia faz parte do texto de Gozzi. Em Puccini, as personagens são mais trágicas. Daí a introspeção das máscaras – se prescindíssemos delas, essa dualidade não era tão visível”, explica João Cardoso ao SOL, referindo-se ao uso das máscaras típicas da commedia dell’arte, em cuja tradição podemos enquadrar esta fábula de Gozzi. Nela, a bela e caprichosa princesa chinesa Turandot promete casar-se com um homem de linhagem real que responda corretamente a três enigmas. Quem falhe o desafio será executado.

Turandot está repleto de contradições: apresenta uma heroína pouco convencional, uma mulher com muito mais poder do que seria normal na época, e ainda consegue misturar os universos italiano e da Pequim imperial. Foi isso que fascinou João Cardoso, que já procurava levar este espetáculo à cena desde 1988, ano em que os entretanto extintos Comediantes produziram O Pássaro Verde, também de Gozzi. “O impacto no público foi muito forte e ficou implícito fazer o Turandot, mas nessa época praticamente cessaram os apoios ao teatro no Porto. Agora pude desafiar o Teatro do Bolhão, que tem muitos elementos que participaram nessa produção”, explica o também diretor artístico da ASSéDIO. A jovem companhia Numa Norma também se juntou ao TNSJ nesta coprodução, que exige um elenco “vasto” e figurinos muito cuidados, que contrastam com uma cenografia minimalista.

Aliás, o universo da máscara é explorado em mais profundidade pelo TNSJ, onde arranca, este sábado, uma oficina de teatro de máscaras, aberta a maiores de 16 anos; à tarde, há uma oficina de construção destes adereços. Turandot estará em palco até 11 de outubro, de quinta a sábado, às 21h, aos domingos, às 16h, e às quartas-feiras, às 19h.