Parabéns, Portugal, pela coragem da hipocrisia!

O sistema de saúde está decrépito. Os médicos queixam-se, os enfermeiros manifestam-se e os auxiliares não querem auxiliar assim. A segurança social está falida, os desempregados são miseráveis e os pensionistas sentem-se mais traídos que uma maior vítima de uma novela da TVI. O Metro está em greve. A Carris está em greve. A CP…

E então chega o dia de votar. 43% de abstenção. Quarenta e três por cento de abstenção. QUARENTA E TRÊS POR CENTO DE ABSTENÇÃO.

Porquê? Porque são sempre os mesmos que “querem poleiro”, “é só corruptos”, “para que é que hei-de votar se não ganha quem eu quero”. Este último argumento então, chega a ser enternecedor de tão mentecapto que é. E não, a taxa de emigração não colhe. Atenua muito ligeiramente, apenas.

Os portugueses são a prova inequívoca de que cão que ladra não vota. E enquanto ladra, a caravana passa e fá-lo com toda a legitimidade, quer se goste quer não, porque foi a caravana que mais votos teve.

Claro que quem não votou não perde o direito de se queixar. Mas se foram fortes o suficiente para ignorar esta oportunidade de expressar a forma como pensam, também podem ignorar quando forem tomadas medidas que os prejudiquem. Correto? Correto.

Os portugueses vivem constantemente poisados na glória do passado, mais concretamente nos feitos dos Descobrimentos. Mas o que nos sobra desse tempo não é a coragem e ambição, são as mulheres, mães e filhas que choram à beira-Tejo ao ver as caravelas partir, sem mais nada fazer. A diferença é que na altura elas não tinham alternativa e o Velho do Restelo também falava mas pouco fazia. Agora, essas mulheres desamparadas são tantos por esse país fora, mas por opção própria. Choram e choram e choram. Mas estavam tão ocupados a chorar que não tiveram tempo de ir votar.

Por isso, parabéns Portugal, neste dia em que se comemora a implementação da República com menos importância e efusividade que um golo da Seleção Nacional num jogo amigável, por tão largamente desprezares a liberdade de pensamento.

Agora continuam lá os mesmos. Pela escolha de todos, os que os que escolheram e os que escolheram ignorar.