As eternas esquecidas

De Cultura e Educação falou-se pouquíssimo nestas eleições.

De Justiça ainda menos, o que me parece um erro estratégico fundamental da parte das oposições. Que o tema não interesse ao Governo, compreende-se: a opressiva falta de transparência nas diversas tramitações dos processos judiciais, a morosidade aflitiva, as contínuas e escandalosas fugas ao segredo de justiça com o subsequente cortejo de lapidações de caráter na praça pública, as más condições prisionais (ainda há dias soubemos que a prisão de Ponta Delgada está com uma sobrelotação gravíssima, e há semanas uma presa preventiva foi violada em Tires por outras reclusas, já condenadas), o preço incomportável de uma defesa de qualidade (assumido pelo primeiro-ministro ao propor-se abrir uma subscrição pública para pagar a defesa dos lesados do BES), etc, etc.

Falou-se muito de números – mas de um modo confuso e contraditório para o cidadão comum, que além do mais já não consegue acreditar na matemática nem nos gráficos dos políticos.

Sucede que a Justiça, a Educação e a Cultura são a matéria-prima da democracia – quando falham, tudo falha.

A insensibilidade para a questão dos cuidados continuados aos mais velhos, manifesta em Portugal (que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho, é um dos países do mundo com menos despesa pública neste sector – 0,1% do PIB) começa por ser uma questão de educação – ou de falta dela.

O país é paternalista, condescendente e displicente com os mais velhos como com os mais novos – não os respeita porque não se respeita a si mesmo. Não consegue escutar ninguém: vive fechado na redoma da burocratização e na fantasia erótica do pequeno poder.

A Educação não aposta nas capacidades dos jovens, orientando-se para a acumulação acrítica de conhecimentos a papaguear e coartando qualquer laivo de criatividade e reflexão original. São cada vez mais os alunos a desejarem, desde muito novos, estudar no estrangeiro – e os que o conseguem fazer raramente sentem vontade de voltar; aqui a escola era um sacrifício, lá fora é um prazer e um estímulo constante.

A Cultura, sempre com maiúscula e vénia, é uma jóia que se usa na lapela, porque dá distinção social.

Normalmente, na última semana da campanha, lá vem ela, com o seu realejo de artistas, intelectuais e apaniguados esperançosos em patrocínios, ou simplesmente crentes na capacidade de transformação da natureza humana e na possibilidade de serem ouvidos, numa sociedade cada vez mais desdenhosa das artes e do pensamento que exceda o imediato da Economia.

Até Jerónimo de Sousa, que fala sempre para “os trabalhadores e o povo” (categorias que pelos vistos entende como separadas) se reuniu com “intelectuais”, dizendo-se muito honrado por, vindo da metalurgia, contar com tão elevado apoio.

Só perdendo o C maiúsculo e separatista a cultura pode tornar-se um elemento dinâmico; a cultura não é uma bandeja de notáveis nem uma temporada de óperas que se oferece ao povo, de cima para baixo.

Os criadores devem ser estimulados e apoiados através de concursos públicos abertos e transparentes (lá vem outra vez a justiça), exactamente como os investigadores científicos (que aliás também são criadores), sem clientelismos nem partidarites.

O Estado tem de garantir que o mais pobre dos pobres tenha acesso a livros, filmes, museus, espetáculos – porque a discriminação social e económica começa aí. E os políticos deviam, para seu próprio bem, ouvir aqueles que dedicam a vida a pensar e a escrever – em vez de apenas os utilizarem como acompanhantes de luxo, em épocas eleitorais.

inespedrosa.sol@gmail.com