Outra vez, não

Pensava que este ano não ia ser preciso falar da ‘praxe académica’, designação pomposa para uma prática estúpida em todas as suas formas e variantes.

Prática, em primeira análise, contrária a qualquer ‘espírito académico’ que se preze, outro termo usado para descrever coisas que não reconheço na minha ideia de universidade – um espaço em que cada pessoa aprende a desenvolver a sua capacidade crítica a respeito dos assuntos que estuda e a exercitar a sua liberdade de pensamento. São ideias que nada têm que ver com obedecer a uma ordem de um aluno do terceiro ano, nem que a ordem consista em caminhar em fila indiana feito parvo. A praxe diz que ensina os caloiros a ‘pertencer a um grupo’ em sítios onde se aprende, entre tantas outras coisas, que a pertença não depende de falsas hierarquias como anos de frequência. Uma aluna internada em coma alcoólico na sequência de uma praxe, com pessoas enterradas na areia, obriga a que me repita. Fora a praxe!

Calor outonal

Há dias vi uma fotografia de alguém no Instagram que dizia estar vestido para a estação do ano em que estamos. Estava de casaco, calças, botas, uma blusa de manga comprida e levava um guarda-chuva, não fosse o diabo tecê-las. Acontece que estavam mais de trinta graus na rua. Isto acontece todos os anos e sabemos que setembro é um mês em geral quente, mas ainda assim, tal como a pessoa vestida para o outono, também nós nos recusamos a aceitar que o clima não se submeta à época adequada neste sítio do mundo. Ter chovido durante uma parte do mês pode ter contribuído para a confusão. Já tínhamos decidido que a segunda metade de agosto não tinha sido tão boa como a primeira e que setembro, bom, coitadas das pessoas que tinham tirado férias em setembro… Afinal foi o que foi e se calhar, agora em outubro, é o que é: muito calor e ainda dias de praia fantásticos. Deixemo-nos embalar pelas temperaturas quentes e esqueçamos o mês no calendário.

Dinastia Tang

Na minha primeira viagem à China, há mais de 15 anos, engordei cinco quilos. É certo que estive um mês em Pequim, de visita a uma amiga que entretanto conhecia todos os cantos da cidade, nomeadamente os melhores restaurantes. Lembro-me, no entanto, de por vezes entrarmos em sítios desconhecidos e almoçarmos principescamente. Talvez Pequim tenha este ponto em comum com Buenos Aires: come-se muito bem em qualquer sítio. Não acontece em Lisboa, mas acontece no Porto. Só em Londres e em Amesterdão tinha voltado a experimentar aquela cozinha chinesa tradicional. Há dias propus que fôssemos ao Dinastia Tang, em Marvila. Já tinha ouvido falar muito bem, já tinha lido críticas ótimas e tudo foi confirmado num almoço em que comemos apenas um prato: pato à Pequim. «Uma dose é suficiente», disse o empregado muito amável. Ainda assim, atrevemo-nos a mandar vir uma dose de brócolos com molho de ostras. Já não preciso de ir a Pequim para engordar. 

Uma nova estrela

A viagem do Papa aos Estados Unidos da América foi um sucesso. Francisco continuou a repetir com gentileza as prioridades de proteção dos desfavorecidos e do ambiente. A viagem trouxe uma nova personagem: o Monsenhor Mark Miles, tradutor do Papa. Nascido em Gibraltar, Miles fala inglês com sotaque britânico, mas o mais importante, além dos seus dotes linguísticos, é ter uma atitude que parece feita à medida do Papa argentino. Miles não se limita a traduzir, mas acompanha as ênfases e as nuances de humor ou compaixão de Francisco, um pormenor que foi rapidamente detetado pelos jornalistas e observadores desta visita papal. De baixa estatura, discreto e eficiente, o Monsenhor Miles tornou-se uma figura simpática e querida de todos. As parecenças físicas a outra personagem também querida e popular, Stephen Colbert, também podem ter ajudado. Stephen Colbert é por sua vez católico e conhecido por ser grande admirador de Francisco.

Mais humanos do que nós

Li a crítica a dois livros no New York Review of Books, ambos publicados nos Estados Unidos, que já passei para a minha wish list. Beyond Words: What Animals Think And Feel, de Carl Safina e The Cultural Lives of Whales And Dolphins, de Hal Whitehead e Luke Rendell têm em comum serem livros científicos e muito bem documentados. Ambos falam dos animais sem darem importância à pergunta comum sobre a inteligência dos mesmos, não por a negarem mas porque ao verificarem as condutas e as emoções confirmam a existência de sentimentos parecidos aos dos humanos, por vezes manifestados com uma lealdade e uma devoção muito superiores. O respeito pela morte e a dor no luto, já conhecido no caso dos elefantes, é surpreendente e admirável no caso dos golfinhos e das orcas. Também as parecenças entre o comportamento dos lobos e as condutas humanas são tão inesperadas quanto maravilhosas. Quando receber os livros, prometo falar mais deste tema comovente.