Quando a água quente acaba a meio do banho

Na passada semana escrevi aqui sobre os mais recentes avanços da tecnologia e como por vezes se tornam irritantes. Dei como exemplo disso as constantes atualizações de software que nos impõem mudanças supérfluas e indesejadas.

Mas nem oito nem oitenta. Um pouco de inovação de vez em quando nunca fez mal a ninguém. Por isso hoje vou falar sobre o fenómeno contrário: a obstrução ao progresso.

Há coisa de dez anos uma empresa do ramo energético dirigiu-se ao prédio onde vivem os meus pais e propôs a instalação de gás natural. Apesar de o prédio já ter gás canalizado, a empresa conseguiu convencer os moradores das vantagens e a substituição concretizou-se rapidamente. Isto foi, como disse, há cerca de dez anos. Mais ou menos pela mesma altura, a mesma empresa dirigiu-se, com a mesma proposta, ao prédio onde vivo. O prédio não tinha gás canalizado – e, ainda assim, a instalação gratuita de gás natural foi recusada.

Por causa disso, todos os anos, no final da reunião de condóminos faço uma pequena intervenção onde exprimo como me custa a entrar na cabeça que, em pleno século XXI, ainda seja preciso acartar com bilhas de gás para trás e para diante, com perda de tempo e grande prejuízo para a coluna. Passe o exagero, é tão absurdo como ter de ir buscar água ao poço numa época em que haja torneiras e água canalizada.

Falando para o comité de vizinhos, tento explicar que o gás canalizado não é apenas mais cómodo: é algo que valorizaria o prédio (e por conseguinte as nossas casas) e, além disso, mais seguro. Quantas vezes não vemos serem noticiadas por esse país fora explosões provocadas por botijas? Em seguida, mesmo sem ter a certeza absoluta disso, tento aliciá-los dizendo que o gás natural é mais barato.

Mas não parece ser o dinheiro a motivá-los. Em desespero explico-lhes que se optassem pelo gás canalizado não precisariam de lidar com o brutamontes que carrega as bilhas e que fica furioso quando não recebe gorjeta (é por causa dele, aliás, que me dou ao trabalho de ir comprar as botijas a uma bomba de gasolina e de carregá-las até casa).

Chegado a este ponto da argumentação, normalmente só consegui convencer dois ou três condóminos para o meu lado. A maioria continua sem ceder um milímetro. E sem metade – pelo menos – das pessoas do prédio interessadas, nada feito. De resto, se não aderiram quando a instalação era gratuita, porque haveriam de fazê-lo agora?

Já sei portanto que se trata de uma batalha perdida e todos os anos acabo por sair da reunião de condóminos furioso e com vontade de insultar toda a gente. Pior mesmo, só quando me acaba a água quente a meio do banho.

jose.c.saraiva@ionline.pt