O empresário de sucesso que começou a vida a fugir

Polaco de nascença mas criado no Brasil para fugir ao nazismo, Jordan elogia a «capacidade de integração» de Portugal, um «país sem preconceitos». Aos 82 anos, vai todos os dias ao escritório e está a preparar o oitavo livro. Às vezes, ainda escreve à mão. «A relação com a tecnologia não é natural para mim».

André Jordan, 82 anos feitos a 10 de setembro, começou a vida a fugir. Nascido na Polónia, aos seis anos teve de partir com a família para o Brasil para escapar ao nazismo.

Como é que alguém que teve de largar tudo olha para a situação dos refugiados e migrantes que têm chegado aos milhares à Europa? «É uma consequência do mundo de hoje. Não podemos ter acordo de Schengen e ao mesmo tempo impedir as pessoas de entrar. O que vão fazer? Matá-las nas fronteiras?».

Face ao que aconteceu no passado, considera haver uma «atenuante» porque «são umas centenas de milhares de refugiados». Mas realça que Portugal «absorveu em poucos meses mais de um milhão de pessoas que vieram de África e tudo se ajustou».

De qualquer forma, não minimiza a questão: «É complexo e na Europa ainda não percebemos como lidar com isto». Mas Jordan tem uma certeza: «Daqui a 20 anos, Portugal não terá uma unidade étnica tão marcada. Se pensarmos no que aconteceu após a revolução, quando voltaram os retornados, não há a menor dificuldade de integração. Portugal é um país sem preconceitos e atribuo isso à herança judaica».

O regresso à Polónia

O empresário de dupla nacionalidade, brasileira e portuguesa, fixou-se em Portugal no início da década de 70. Foi nessa altura que começou a idealizar e a erguer a Quinta do Lago. Queria que fosse «um lugar ‘à vontade’, onde não houvesse concorrência nem a tendência de dizer ‘a minha casa é melhor que a tua’, de exibicionismo e de joias».

Hoje acredita que essa foi uma das razões de sucesso do empreendimento algarvio que, certamente, contrastava com a mentalidade lusa da época. «Havia um formalismo brutal. Um dia quis ir ao cinema São Jorge, mas como ia só de camisa e sem casaco, não me deixaram entrar. Os taxistas tinham de usar chapéu. E no dia 25 de abril, tiraram-no. Mas como os portugueses são muito prudentes, deixaram-no no banco. Esperaram para ver como é que a situação ficava».

Apesar de já ter vendido o resort, André Jordan continua a ter uma casa no empreendimento, onde ainda passa fins de semana. Há três meses, voltou também à Polónia. Não voltara ao país desde a infância. «Foi um regresso muito emotivo, em parte porque muita da minha família desapareceu no Holocausto». E reaprendeu a falar polaco.

«Vivemos tempos muito desafiantes. Quando eu era jovem e rápido, o mundo era lento. Agora que sou velho e lento, o mundo é rápido», compara.

Relação ‘hostil’ com gadgets

Ainda assim, diz-se «muito ocupado». Já passou a liderança do André Jordan Group ao filho Gilberto, mas continua a trabalhar nos projetos da empresa. «Ele não é um patrão fácil porque está sempre a exigir de mim», brinca. Na Primavera, haverá novidades sobre o Belas Clube de Campo. Mas recusa revelar mais.

«Às vezes, de manhã trabalho em casa, mas à hora do almoço vou para o escritório. Digo que trabalho 14 horas por dia porque fico sete horas no escritório e outras sete pensando». Mantém-se ligado a atividades cívicas e culturais, como por exemplo Serralves, onde esteve no conselho de administração.

E escreve. Em marcha está um novo livro, o oitavo, desta vez sobre a sua vida. Redige à mão, no computador, dita? «Um pouco de tudo. Tenho ipad, telemóvel, faço muitos e-mails, mas pouco mais do que isso. Não faço parte de nenhuma rede social e nem quero. Não sei como é que as pessoas têm tempo para isso. A mim, não me interessa. Tenho uma relação de hostilidade controlada com a tecnologia. Não é natural para mim», confidencia.