Grândola quer-se mais limpa

Acho que é logo na primeira temporada da série Mad Men que podemos ver Mrs. Betty Draper no campo a despejar uma toalha de piquenique encosta abaixo. E com a toalha vão pratos, talheres e comida. 

Embora se trate de uma série de ficção, parece-me que esse gesto é muito mais real do que gostaríamos de pensar. Imagino que nos anos 50 a malta ainda achasse que a natureza se encarregava de fazer desaparecer o lixo.

Eu vivo praticamente no campo. ‘Praticamente’, porque vivendo à saída da vila tenho a sorte de, ao mesmo tempo, estar a poucos metros do centro e ter acesso direto à estrada que vai para a serra e ao campo que envolve a zona habitacional.

Por muito urbana que ainda me considere, se há coisa que gosto de fazer de manhã ou ao final da tarde é passear as cadelas nesse pedacinho de campo junto à estrada principal. Ao contrário do que acontece em Lisboa, elas podem ir sem trela, correr atrás dos pássaros, observar as ovelhas e os cavalos e namorar, platonicamente claro, o lindíssimo e enorme rafeiro alentejano, que do outro lado da estrada, do lado da serra, vigia as cabras. 

 É certo que, muito mais vezes do que eu gostaria, as cadelas têm de ir direitinhas do passeio para o banho. Convém lembrar aos mais distraídos que onde há ovelhas e cavalos há excrementos. E é precisamente para aí que se dirigem, alegremente e cheias de curiosidade, as minhas duas cadelas – para depois se rebolarem com imensa satisfação. 

Mas faz parte deste viver ‘praticamente’ no campo. É a natureza. 

O que verdadeiramente me aborrece e me dá cabo dos nervos, deixando-me à beira de me transformar numa ecoterrorista, é o facto de a maior parte dos terrenos em redor da vila estarem a transformar-se em aterros a céu aberto. 

Ali há um pouco de tudo: restos de móveis, restos de comida, latas de tinta, entulho, colchões, garrafas vazias, maços de tabaco. 

E se se pode culpar a geração mais nova pelas garrafas e pelos invólucros de gelados, a geração mais velha parece bipolar: enquanto as senhoras se desdobram em trabalhos para manter limpos os passeios à porta de casa, e até arrancam as ervas daninhas, os homens aproveitam qualquer descampado para depositar o entulho e os desperdícios da sua pequena obra.

No meio disto, o jardim, qual oásis no deserto, é o único espaço a que a Câmara Municipal parece dar atenção.

Poder-se-á argumentar que os terrenos e os campos terão dono e a sua limpeza não compete à Câmara. Mas quem quer tomar conta dos bancos, dos aviões, das águas e de tudo, certamente não se importará de tomar conta do terreno do vizinho quando este se encontra em parte incerta.

Eu percebo que seja muito mais excitante ir para uma manif na capital mandar embora o Governo do que andar pelo município a averiguar que terrenos precisam de ser limpos. 

Eu também prefiro mil vezes tirar todos os livros da estante para a pintar com uma cor mais bonita do que para lhe limpar o pó.

Mas, por mais observatórios da canção de protesto que a Câmara de Grândola arranje, há que limpar a casa em primeiro lugar – e encorajar os munícipes a gostar dela. Ou Grândola não passará de uma vila triste e suja, indigna sequer de viver à sombra de Zeca Afonso.