O muito pouco provável governo de esquerda.

Sim. (Antecipo-me já àqueles que juntam percentagens eleitorais e daí sugam conclusões sobre a expressão do voto dos portugueses a 4 de outubro) É possível, na letra constitucional, a formação de um governo liderado por uma força política diferente da que ganhou as eleições desde que reúna o apoio da maioria absoluta dos deputados eleitos.

Essa não é nem pode ser a questão essencial dos planos para a formação do próximo governo de Portugal. É uma evidência mas não é o aspeto mais relevante. Estamos a falar de política e, por conseguinte, do respeito pelos compromissos internacionais que o governo, seja ele qual for, possa cumprir. Não vivemos, para os mais distraídos, isolados. Não somos decisores absolutos do nosso destino. Aceitámos ao longo destes anos (e são mais de 30) a submissão a um conjunto de normas e políticas comuns e integradas que, concordando ou não – não é esse o ponto, também foram responsáveis pelo nosso desenvolvimento. Como também foram eles, é certo, corresponsáveis pelos momentos mais difíceis por que passámos. Por falta de uma verdadeira integração económica, de uma verdadeira política de coesão, por inúmeros fatores que hoje, todos, conseguimos identificar. Mas isto é o preço a pagar, no que há de bom e mau, por aceitarmos fazer parte de uma comunidade global e diversificada. São as regras do jogo.

O importante por isso, na formação do próximo governo, é a disponibilidade em “jogar” com estas regras. As únicas que contam efetivamente para a tal “estabilidade política” de que tanto se fala. A não ser que queiramos abandona-lo. O que não me parece verdadeiramente uma hipótese para a maioria dos portugueses.

Saliento assim duas dessas regras intransponíveis, continuando a Europa com este modelo político organizacional. O respeito pelo Tratado Orçamental e pelas regras do Pacto de estabilidade e Crescimento sobretudo do lado do esforço pela consolidação orçamental.

Vamos então a factos. As medidas que o PCP propôs ao PS para a celebração de um acordo de governo ascendem, dizem, a um acréscimo de despesa do estado na ordem dos 4 mil milhões de euros. É verdade que querem negociar medida a medida mas ninguém acredita, perante este facto, que a soma final ficará muito longe destes números. Mais, ainda hoje na apresentação do seu candidato presidencial, Edgar Silva foi muito claro. “Os Portugueses têm sido expropriados do seu poder soberano de decisão sobre as questões essenciais da vida do País. São cada vez mais as decisões transferidas para estruturas supranacionais em colisão com a Constituição da República. Sucessivos governos, do PS, do PSD e do CDS, têm assumido como legítima a intervenção estrangeira sobre o País, esvaziando e amputando o regime democrático e a soberania nacional”, percebendo-se o posicionamento do PCP em matéria de politica europeia e de respeito pelos Tratados. Já o Bloco, pela voz do ex coordenador João Semedo, afirmou há pouco que "Não vejo que [um governo de esquerda] obrigue o Bloco a renunciar às convicções e propostas que temos sobre a dívida, a União Europeia e tantas outras matérias políticas em que há discordâncias entre aqueles partidos. A política não se esgota nem acaba aqui, há mais vida para além desta convergência.", percebendo-se igualmente que o Bloco, nesta matéria, não renunciará ao seu programa.

Ora o dilema é o seguinte. Não haverá “estabilidade” se estes dois partidos, PCP e BE, não vierem a integrar um Governo liderado pelo PS ficando-se no conforto amplo de um acordo parlamentar. A maioria de esquerda é uma maioria virtual. Uma aparência de maioria que apenas tem o objetivo de impedir a governação da coligação do centro direita. Colocam-se assim duas perguntas primaciais. Temos garantias de estabilidade com um governo minoritário do PS assente num acordo maioritário de incidência parlamentar? Poderá o PS, e conseguirá, governar o país numa lógica “pisca-pisca”, com acordos a esquerda em matéria de política interna e com acordos à direita em tudo o que diga respeito às regras europeias?

Terceira pergunta. Estarão descansados os portugueses com uma “estabilidade” assim?