‘Filho da Mãe’: a catarse de Rui Maria Pêgo

Já diz a expressão popular que ‘os amigos escolhem-se, a família não’. No universo de Rui Maria Pêgo, filho da apresentadora e diretora de Conteúdos da SIC e do diretor da Antena 1, Antena 2 e RDP Internacional – Júlia Pinheiro e de Rui Pêgo, claro -, o ditado faz mais do que sentido.

“Durante toda a minha vida eu fui ‘o filho de alguém’. Acho que existem muitos ‘filhos de’ em Portugal que nunca se conseguem libertar deste peso”, diz o jovem de 26 anos. Uma realidade, ainda que hiperbolizada e carregada de sentido de humor, que apresenta enquanto protagonista de ‘Filho da Mãe’, um programa transmitido aos domingos à noite no Canal Q.

A ideia da série surgiu há cinco anos, numa conversa com amigos. “Foi no pico dos reality shows e das Kardashian. Alguém, na brincadeira, disse que tinha imensa graça se eu fizesse alguma coisa a gozar com a minha própria vida e de repente chegámos ao nome ‘Filho da Mãe’”.

A ideia coincidiu com a sua saída do ‘Curto Circuito’, depois de vários anos como uma das caras do programa, e, assim, decidiu apresentar o projeto à SIC Radical. Mas a necessidade de um grande investimento publicitário e o receio que essa publicidade o levasse a ter de fazer cedências do ponto de vista criativo levaram-no a pôr o ‘Filho da Mãe’ em banho-maria.

Rui Maria acabou por afastar-se do pequeno ecrã, por circunstâncias fora do seu controlo. Na SIC, a direção do canal tinha mudado – “eu era uma aposta da antiga direção” – e Júlia Pinheiro tinha acabado de se mudar da TVI para Carnaxide. “Há uma regra implícita entre mim e os meus pais: nunca trabalhar no mesmo grupo que eles. Uma vez que em Portugal só há três, é um bocadinho difícil. Ou ia para a TVI ou ia para a rádio”. E como já estava a trabalhar na rádio, continuou a investir nessa área.

Ainda assim, sentia falta de trabalhar em televisão. Foi para o Canal Q, onde começou por fazer uma rubrica no ‘Ministério da Cultura’. E decidiu que estava na hora de tratar de assuntos pendentes: o ‘Filho da Mãe’” que tinha guardado na gaveta. No Q não se puseram questões relativamente ao investimento publicitário, mas nem tudo é cor-de-rosa no universo de um canal mais pequeno e com menos recursos. “Facilita a liberdade, que é extrema e absoluta, e só isso vale a pena. Mas não vou mentir, se tivesse uma equipa só comigo a fazer o ‘Filho da Mãe’, se calhar podia ir ainda mais longe”.

O projeto arrancou no mês passado. Escrito por Pêgo e Susana Romano – com quem há cinco anos tinha idealizado o programa – e com a participação de convidados como Raquel Strada, Luciana Abreu, João Manzarra ou Pimpinha Jardim, é um reality show ficcional que aborda preconceitos relativamente à vida de Rui Maria, mas também sobre a imagem que existe à volta do dia-a-dia dos ‘famosos’.

“É uma crítica à expectativa que podem ter sobre mim e sobre o que seria a minha vida, que afinal é banal. Eu sou a pessoa que já não tinha dinheiro para morar sozinho e portanto voltei para casa dos meus pais, mas supostamente sou uma estrela a uma escala portuguesa”. Algumas cenas foram precisamente filmadas na casa de família do protagonista. No primeiro episódio pode mesmo ver-se uma das irmãs de Rui Maria a entrar na cozinha e ser surpreendida pelas câmaras. 

Apesar de transpor para a série alguns momentos da sua ‘vida real’ – nomeadamente o facto de estar a viver com os pais e a participação num programa com golfinhos –, a grande maioria são ficção ou uma realidade hiperbolizada. Ainda assim, muitas pessoas acham que aquilo é mais do que isso. “Já me chegaram a perguntar se não falava mesmo com a minha mãe durante três meses, só porque eu digo isso num episódio”.

“O ‘Filho da Mãe’ é uma catarse”, resume o radialista. “Acaba por ser o resultado de 16 anos de uma ação-reação em relação ao facto de ter pais conhecidos”. Algo com o qual teve de aprender lidar, uma vez que desde sempre foi sempre encarado como sendo o filho de Júlia Pinheiro, e até acusado de ser beneficiado no seu trabalho graças à mãe. Esse ‘bullying’ atingiu o pico quando venceu o casting para o ‘Curto Circuito’. “Tinha 19 anos e fui com uns amigos para o Bairro Alto celebrar; acabei insultado desde o início da Rua da Rosa até ao Largo Camões. Foi agridoce: estava muito feliz porque estava a realizar um sonho, mas também estava diariamente a levar com as consequências disso”, recorda, realçando que o humor acabou por se tornar um escape para estas situações. 

Mas o humor, um tanto negro, de Rui Maria nem sempre foi bem encarado, especialmente pelos protagonistas das suas piadas. Houve mesmo quem chegasse a contactar a sua mãe por causa das suas tiradas. “O humor vive do contexto. Não dá para dizer tudo, porque nós não existimos sozinhos". E por causa destes constrangimentos que o radialista não se considera humorista. "Eu posso gozar com o que quiser, mas eu, Rui, devido ao meu contexto, não posso. Se eu brincar com o Angélico [Vieira, ator e cantor que morreu em 2011] é muito mais forte porque a mãe deles [de outros humoristas] nunca se vai cruzar com a Rita Pereira [atriz e ex-namorada do cantor]. Forçosamente, eu tive de começar a pensar se as pessoas vão, ou não, levar a mal o que eu digo”, afirma.

Ainda assim, o ‘Filho da Mãe’ tem sido muito bem aceite. Não só em termos de audiências, mas também pelas reações que recebem através das redes sociais. “Não estou habituado a tantos 'parabéns' e a ter tantos a dizer-me que 'adoram'”.

Não para já, mas Rui Maria Pêgo pondera uma segunda temporada. “Gostava de ter um bocadinho mais de tempo para pensar nos episódios”. Atualmente tem vários projetos, desde os programas da tarde na Mega Hits, passando pelo programa da SIC Mulher ‘Não faz sentido’, mas ainda há algo que gostaria de fazer. “Gostava muito de fazer um programa de ‘late night’, um programa que não pedisse desculpa por ser aquilo que é”. 

rita.porto@sol.pt