Uma exposição habitada

      

Helena Almeida é uma das artistas “mais importantes das últimas cinco décadas” em Portugal, sublinha ao SOL o curador João Ribas, e é por isso “natural” que a Fundação de Serralves lhe dedique a maior retrospetiva de sempre. A inauguração foi ontem, às 22h, com entrada livre e a presença da artista de 81 anos, cujas obras – que cruzam os universos da pintura, fotografia, escultura e desenho – vão ocupar toda a ala direita do Museu de Arte Contemporânea. Porém, mesmo que faltasse, estaria lá o seu corpo marcado em grande parte das obras; não como autorretrato mas como modelo, em séries tão reconhecidas como Pintura Habitada, em que Helena Almeida questiona os limites da tela colocando-se dentro dela, numa espécie de segundo plano.

“Ela dá um contributo singular e notável para a arte contemporânea portuguesa e há um grande interesse nacional, que se estende ao contexto internacional”, conta João Ribas, que explica que a arte dos anos 1960, 70 e até 80 está agora a ser “contada” nos museus, com destaque para os trabalhos em “formatos menos conhecidos”, como a fotografia, que era um parente pobre. “Helena Almeida questiona o que é a pintura de cavalete, então dominante”, acrescenta Marta Moreira de Almeida, co-curadora da mostra.

‘A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra’ debruça-se sobre a globalidade da carreira de Helena Almeida, incluindo obras menos conhecidas do início de carreira, ainda nos anos 1960: as pinturas abstratas de então já subvertem conceitos e procuram a tridimensionalidade, sendo por vezes apresentadas pela parte de trás, mostrando a estrutura de madeira. Durante os anos 1970, cria uma boa parte das suas obras mais conhecidas, como as séries Pintura Habitada, Desenho Habitado e Tela Habitada, em que se veste de branco para se deixar parcialmente tapar por uma tela branca.

Fora da linha

Mancha e linha são conceitos explorados até ao limite. As manchas parecem sair da pintura ou tornam-se objetos, como em Para um enriquecimento interior. O mesmo acontece com a linha, que deixa de servir apenas como limite: o uso de fio de crina permite-lhe sair do papel e ganhar tridimensionalidade. “Há uma maneira externa de expressar o estado interno e emocional. A linha e a mancha talvez sejam duas maneiras de o fazer”, especula João Ribas, de 36 anos, que ainda tem memória da anterior exposição de Helena Almeida em Serralves, então na Casa, em 1995. Marta Moreira de Almeida trabalhou com a própria artista há 20 anos.

A mostra, que segue uma ordem mais ou menos cronológica e incorpora obras da coleção de Serralves e várias outras de instituições particulares (como a Gulbenkian, FLAD e o Museu Berardo) finda a 10 de Janeiro. Depois, seguirá para Paris (Galeria Nacional Jeu de Paume) pela primavera de 2016 e para Bruxelas (Centro de Arte Contemporânea Wiels) no outono. Esta circulação internacional prova a atualidade do trabalho da artista, que ainda é vista com alguma surpresa fora de portas.