Urnas ‘decorativas’ voltam ao Egito

Três anos, um golpe militar e muita repressão depois, os egípcios regressaram hoje às urnas para começar a eleger um parlamento que substituirá a câmara dissolvida em junho de 2012.

Urnas ‘decorativas’ voltam ao Egito

Mas se os deputados eleitos em 2011 representavam o pluralismo próprio de um país em pós-revolução, que acabara com uma ditadura de 30 anos, agora espera-se que a câmara seja preenchida por fieis do Presidente Abdel Fatah el-Sisi, o general que em 2013 liderou o golpe que derrubou o primeiro Presidente democraticamente eleito da história do país.

Sisi tomou posse logo após o afastamento de Mohamed Morsi, mas um ano depois foi legitimado nas urnas, alcançando 96,1% mesmo sem o apoio formal de qualquer partido. É nessa condição que diz permanecer, garantindo a independência face aos mais de 30 partidos e cinco mil candidatos que vão a jogo. Ainda assim, ninguém acredita que a próxima câmara não esteja repleta de apoiantes do marechal, que na sua maioria são também antigos apoiantes do ditador Hosni Mubarak.

O diário estatal Al-Ahram fez a contas e concluiu que cerca de metade dos candidatos são antigos deputados do Partido Nacional Democrático, força que sustentava o regime de Mubarak e que foi ilegalizada após a queda deste. Junta-se a esse dado um sistema eleitoral complexo, que «favorece candidatos individuais com redes de influência a nível tribal e local», segundo explicou a especialista Nathalie Bernard-Mougiron à AFP.

Trata-se de políticos que «não se vão opor às políticas de Sisi, pois querem estar o mais perto possível do coração do regime», defendeu também à agência francesa o professor de ciência política na Universidade do Cairo, Mustapha Kamel al-Sayyid. E os que se poderiam apresentar como alternativas não vão a votos, seja porque viram as suas forças ilegalizadas ou porque decidiram boicotar uma votação que consideram uma farsa.

A Irmandade Muçulmana, força que venceu as primeiras eleições livres do país e que hoje está ilegalizada com o rótulo de «organização terrorista» – tal como 434 Organizações Não-Governamentais, que foram encerradas por alegados vínculos ao partido islamista. Morsi continua detido, assim como centenas de apoiantes.

Entre amanhã e terça-feira são chamados a votar 27 milhões de eleitores de 14 das 27 províncias do país, assim como os residentes no estrangeiro oriundos dessas regiões. A 21 de novembro inicia-se a segunda fase, com 28 milhões de eleitores de 13 regiões, incluindo o Cairo. Estão em jogo 568 dos 596 assentos parlamentares – os restantes 28 são apontados pelo Presidente.

nuno.e.lima@sol.pt