A moral de António Costa

Um governo com o Partido Comunista e o Bloco não é uma notícia necessariamente má. Os dois partidos representam um milhão de votos que lhes foram entregues por pessoas que não se sentem representadas numa democracia de mercado. Um problema que é uma doença no regime, convém que não alastre sob pena de o sistema…

Quanto aos riscos são os evidentes. Não creio que o PCP e o BE tenham deixado de ser revolucionários. Se continuam a sê-lo têm um discurso para fora e outro para o interior das suas fileiras. No íntimo não desejam melhorar o estado das coisas, querem destruir para que nessa destruição outro Estado possa nascer. Qualquer estratégia ou aliança com partidos burgueses, como o PS, terá como objetivo a destruição do sistema capitalista. Um jogo perigoso e um dilema para os próximos anos: o PS desistirá com o medo do risco de com eles partilhar poder ou terá a esperança de os ‘aculturar’?

Acontece que o desafio lançado por António Costa tem um pequeno problema. Os socialistas perderam claramente as eleições e se as perderam, sobretudo nas circunstâncias em que tal aconteceu, não têm legitimidade moral para governar. Nem todas as regras morais são jurídicas, vem nos livros. O vencedor da Volta a França em bicicleta sabe que se chegar à última etapa, a da consagração, com dois segundos de avanço do segundo classificado, poderá tranquilamente beber o seu champanhe sem o risco de ver o seu concorrente trai-lo com um sprint à chegada dos Campos Elísios. A sua vitória seria tão legal como imoral.

O que fazemos na vida acaba por nos perseguir. Alguém pode escrever vinte excelentes livros, mas isso só será relevado se o 21º livro for um sucesso. Talvez aí, recuperando todos os outros, se reconheça que nem sempre o mundo está atento. Por outro lado, as más ações ganham um peso maior quando na política alguém tem o azar de perder ou cair em desgraça. Costa ao derrubar Seguro, convenceu os socialistas de que era o homem certo, todas as outras hipóteses eram ridicularizadas, o importante era a conquista do poder. Vários dos que aplaudiram a faca em Seguro torcem agora o nariz a um movimento que parece decalcado. Tudo legitimamente amoral. O que interessa são os fins, ou pelo menos assim parece. Não é bonito de ver, tenho pena de o estar a escrever.

Costa está a jogar a sua carreira política. As cartas estão todas na mesa, é o tudo ou nada. Mas nesta tomada de assalto do Palácio de Inverno, o PS arrisca-se a longos anos de irrelevância. Pode correr bem? Não menosprezo a realidade, tudo pode sempre acontecer. Mas valerá a pena ao PS o risco? Ou alguma coisa me escapa neste póquer e um dia me obrigarão a reconhecer o génio de Costa? Esperarei sentado.

luis.osorio@sol.pt