Circunstâncias poderosas

Aos 23 anos, Joana Ribeiro é uma das principais caras das telenovelas da SIC, desde que se estreou, em 2012, em Dancin’Days. Agora, deu o salto para o cinema. É a protagonista de A Uma Hora Incerta, o novo filme de Carlos Saboga. Perdeu-se uma arquiteta, ganhou-se uma atriz.

Tem sido tudo muito rápido na sua vida. Foi apenas há dois anos que Joana Ribeiro, hoje com 23 anos, se estreou na interpretação, na telenovela da SIC Dancin’Days. Hoje, duas telenovelas depois, é a protagonista de A Uma Hora Incerta, o novo filme de Carlos Saboga – argumentista de obras como Mistérios de Lisboa (Raul Ruiz), As Linhas de Wellington (Valeria Sarmento) ou O Lugar do Morto (António-Pedro Vasconcelos) – que ontem se estreou no cinema. 

É num Portugal sufocado pelo antigo regime que A Uma Hora Incerta decorre. Nos anos 40 eram muitos os refugiados que chegavam a Lisboa, um reduto de paz numa Europa em guerra. Franceses, ingleses, alemães – uns queriam ficar, outros encontravam aqui um ponto de fuga da Europa, em direção a países como EUA. Tempos bem ilustrados em Casablanca. E se em 1942 Michael Curtiz escolheu para ambiente do seu filme o vibrante Rick’s Cafe, agora, mais de 60 anos depois, Carlos Saboga escolheu um hotel desolado para cenário do seu. 

Quando Boris e Laura, dois refugiados franceses, são detidos pela PIDE para serem deportados, o inspetor-chefe Vargas, interpretado por Paulo Pires, sentindo-se atraído por Laura, decide dar-lhes refúgio levando-os para um anexo que mantém afastado de todos no jardim de sua casa, outrora um hotel, agora habitada apenas por si, pela sua mulher moribunda (Ana Padrão), pela empregada, Deolinda, (Filipa Areosa) e pela filha, Ilda (Joana Ribeiro). Mas os franceses não são a lufada de ar fresco que se poderia pensar na claustrofóbica vida de Ilda que, ao invés, se sente consumida pelo ciúme, querendo expulsá-los a todo o custo, antecipando-se uma tragédia entre aquelas soturnas paredes. Até porque um hotel vazio nunca foi no cinema prenúncio de dias felizes. 

Foi apenas há dois anos que Carlos Saboga, então com 76, se estreou na realização com Photo. Mas foi há mais de 40 que se estreou na escrita de argumentos, tornando -se, assim, companhia segura para Joana Ribeiro, nesta aventura que foi a sua primeiro incursão na 7.ª Arte. Que surgiu não por acaso, nem por convite, mas pela sua vontade. Participou num casting aberto. E foi escolhida para interpretar Ilda, protagonista de quase todas as cenas do filme. 

E é uma Ilda de tranças, menina que ainda não é mulher, «uma Lolita dos anos 40» que a atriz interpreta neste A Uma Hora Incerta, personagem tão contrastante com a que muitos se habituaram a ver, à noite, em Poderosas, a telenovela da SIC que protagoniza ao lado de Maria João Luís e Margarida Marinho. Para se preparar Joana Ribeiro leu livros, viu filmes, conversou com a família. «Não faço ideia do que tenha sido viver aqueles anos de censura e ditadura. Falo muito com os meus pais sobre isso, e com o meu avô. Mas tive que me preparar para o filme, tentar saber mais sobre uma realidade que não conheci, uma época que tanto marcou o país, que o definiu. É-me muito estranha a ideia da mulher estar em casa, não trabalhar, de o homem ser o chefe de família. Nunca convivi com isso. E, de repente, fui posta num mundo onde isso existia, era a realidade de quase todas as mulheres da época. Além disso não encontrei muitos registos de miúdas daquela idade, não há vídeos para perceber como andavam, falavam. A minha maior dificuldade foi tentar perceber como Ilda falava, como colocava a voz, a relação com os pais, com a amiga, com o corpo. Devo ter cometido algumas gaffes». 

Ajudou-a não só a mão segura de Saboga e a experiência dos atores que com ela filmaram, como o processo de filmagem. Foi há um ano que a equipa passou um mês no Luso a fazer o filme. O que foi um modo de trabalhar bem diferente das rotinas televisivas a que Joana Ribeiro estava habituada, de telenovelas, gravadas em estúdio, em que ao fim do dia cada um regressa a sua casa, à sua vida. «Foi incrível, nunca tinha tido essa experiência de imersão. Vim a Lisboa apenas duas vezes. Estamos todos juntos, todos os dias, no sítio onde vamos filmar. Ajuda a sentir melhor a personagem».

Nascida há 23 anos, em Lisboa, filha de uma veterinária e de um engenheiro civil, aos 12 anos, enquanto as amigas choravam e riam com comédias românticas americanas, Joana Ribeiro era impelida pela mãe a ver filmes japoneses. E se de início o lamentava, gradualmente foi aprendendo a gostar desse cinema tão diferente do cânone hollywoodesco. A carreira no cinema, porém, não era um sonho que acalentasse desde miúda. Aliás, diz que a representação foi uma visão dos seus pais. «Sempre achei que queria fazer outras coisas, ir para arquitetura, ser astronauta». 

O espaço pode ter ficado por explorar, mas na altura de escolher um curso, Joana ingressou mesmo no de Arquitetura, na FAUL . «Estudava e tinha boas notas, corria tudo bem. Mas sentia que o meu lugar não era ali. Todos os dias em que tinha que ficar a trabalhar ou estudar até mais tarde, sentia que não era aquilo que queria fazer. Os meus pais viram que eu estava desanimada e decidiram enviar-me um mês para Nova Iorque, para fazer um curso de representação. Foi uma ideia deles. Gostava de cinema, de ir ao teatro, da ideia de sairmos do nosso mundo e entrarmos noutro, de nos esquecermos do que se passa à nossa volta e vivermos a vida de outra pessoa. Mas na minha cabeça não havia sequer possibilidade de o fazer». 

Seguiu, porém, o conselho dos pais. Pesquisou e decidiu ir fazer um curso na New York Film Academy. «Estive lá um mês, gostei imenso. Senti que pertencia ali. Aprendi imenso sobre cinema, realizadores, planos. Tive aulas de improviso, de representação. E quando voltei a Portugal decidi interromper o curso de Arquitetura e ir estudar representação». Mas foi ultrapassada pelas circunstâncias. Quando chegou a Lisboa começou a procurar escolas, a ver qual o melhor sítio para estudar representação. Até que um dia o telefone tocou. Era o pai, que estava em Angola mas tinha visto um anúncio para um casting para a nova telenovela da SIC, Dancin’Days. Joana decidiu candidatar-se, não tanto na esperança de ser escolhida, mas para começar a ter contacto com esse mundo da representação, ver em que consistia e como funcionava um casting. «Achei boa ideia, pensei: porque não? Fui. E fiquei. Fiz a novela, depois fiz outra [Sol de Inverno]. Depois fiz o filme. Agora estou a fazer esta [Poderosas]. Não houve nenhum plano. As coisas foram acontecendo. E eu fui atrás». 

rita.s.freire@sol.pt