Estado não tem autoridade moral para reivindicar libertação de ninguém, diz Sócrates

O antigo primeiro-ministro José Sócrates disse hoje que “o Estado português não tem autoridade moral para reivindicar a libertação de ninguém” quando mantém cidadãos nacionais presos 11 meses sem acusação.

Estado não tem autoridade moral para reivindicar libertação de ninguém, diz Sócrates

"O Estado português não tem autoridade moral para reivindicar a libertação de ninguém ao fim de cinco meses de prisão sem acusação, porque mantém cidadãos portugueses presos há 11 meses sem acusação", afirmou, abordando um caso em Timor-Leste, onde um cidadão português esteve detido cinco meses sem acusação.

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O ex-governante socialista falava na conferência "Justiça e Política", que decorreu em Vila Velha de Ródão, distrito de Castelo Branco, na primeira iniciativa pública em que participa após ter estado preso, onde abordou igualmente a situação de Luaty Beirão, 'rapper' e músico angolano de 33 anos, que também tem nacionalidade portuguesa, em greve de fome há mais de 30 dias.

Para Sócrates, quando o país tem um cidadão 11 meses detido sem acusação, "o Estado português perde autoridade moral para falar de direitos individuais a outros estados".

"Quero dizer-vos que considero isto muito preocupante na sociedade portuguesa, porque muitos dos que falavam e que se referiam a estes casos sabiam perfeitamente daquilo que é possível fazer-se em Portugal", sustentou, defendendo a necessidade de rever os prazos da prisão preventiva "porque eles não estão de acordo com os ideais" de Justiça.

Para Sócrates, "este tempo demais prejudica também a autoridade moral do Estado", apontando os limites máximos de prisão preventiva no Brasil e Angola.

"Devíamos olhar para isto como forma de pensarmos se é possível permitirmos ao nosso Estado que prenda alguém durante um ano sem apresentar a devida acusação e se isto não diminui a possibilidade de o Estado português ter também uma voz ativa nos direitos humanos quando acha que um outro estado está a agir contra um cidadão seu com abuso", sublinhou.

Nesse sentido, considerou que "nestas discussões vai também para aí um grande farisaísmo, uma grande hipocrisia", pois "muitos falam de uns esquecendo os outros".

No caso de Luaty Beirão, o antigo governante declarou parecer que as autoridades angolanas respondem a esta campanha da mesma forma que as autoridades portugueses.

"Parece que dizem à Justiça o que é da Justiça, à política o que é da política", adiantou, defendendo que o que está em causa com este cidadão "não é apenas esperar em liberdade o seu julgamento", mas "a conduta pela qual ele está acusado nunca devia ser criminalmente punida".

Luaty Beirão está em greve de fome há 34 dias, internado sob detenção numa clínica privada de Luanda, para onde foi transferido pelos Serviços Prisionais por precaução. Exige aguardar julgamento em liberdade ou que a prisão preventiva seja devidamente fundamentada.

A 05 de setembro passado, o Ministério Público angolano acusou 17 jovens da preparação de uma rebelião e de um atentado contra o Presidente de Angola, prevendo barricadas nas ruas e desobediência civil que aprendiam num curso de formação.

José Sócrates foi libertado no passado dia 16 da medida de coação de prisão domiciliária, embora fique proibido de se ausentar de Portugal e de contactar com outros arguidos, no âmbito do processo "Operação Marquês".

O ex-primeiro-ministro foi detido a 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.

Sócrates esteve preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Évora mais de nove meses, tendo esta medida de coação sido alterada para prisão domiciliária, com vigilância policial, a 04 de setembro passado.

Lusa/SOL