Sociedade

30 pescadores mortos nos últimos três anos

Em apenas três anos, houve 42 naufrágios de barcos de pesca na costa portuguesa, revelam dados da Autoridade Marítima (AM) avançados ao SOL. E só este ano já morreram 12 pescadores - que se somam às 18 vítimas de naufrágios registadas em 2013 e 2014. Ou seja, em menos de três anos, 30 pescadores portugueses perderam a vida em trabalho.


Recentemente, o mar voltou a matar os homens que dele fazem vida na Figueira da Foz. Dos sete pescadores a bordo do arrastão Olívia Ribau, cinco morreram quando o barco cedeu à forte ondulação, virando quando entrava na barra, depois de mais um dia de faina.

A polémica quanto à falta de meios de socorro estalou, com todos os dedos apontados às autoridades, em especial à capitania local e ao Instituto de Socorros a Náufragos.

Pescadores e familiares das vítimas revelaram que apenas um profissional que não estava ao serviço acorreu ao pedido de ajuda do Olívia, quase uma hora depois do naufrágio. E denunciaram que o barco salva-vidas da capitania local estava avariado há várias semanas.

Desta vez, as vozes de protesto dos homens do mar parecem ter sido ouvidas. Uma semana após a tragédia de seis de outubro, o comandante local da Figueira da Foz, Paulo Inácio, foi afastado do cargo na sequência das críticas e manifestações, e foi aberto um inquérito ao sucedido.

Permaneceram, porém, as dúvidas quanto aos meios de segurança exigidos nas embarcações de pesca, tanto as de arrasto como as artesanais. A falta de uso dos coletes salva-vidas foi, aliás, um dos argumentos utilizados nos dias seguintes pelo porta-voz da Autoridade Marítima, Nuno Leitão, para justificar a dimensão de mais uma tragédia no mar. Um argumento que foi desde logo rejeitado pelos pescadores. E que é confirmado pela legislação em vigor.


Barcos têm de ter coletes...

De facto, a lei exige, desde 2011, que todas as embarcações de pesca costeira - quer tenham menos de 12 metros de comprimento quer tenham mais (como o Olívia Ribau) possuam “coletes de salvação para 100% das pessoas embarcadas”. Estes meios de salvamento individuais têm de ser “em número suficiente para o número máximo de pessoas que podem estar a bordo”, precisa o responsável da Direção-geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, Miguel Sequeira. Esta é uma das exigências na legislação que transpôs há quatro anos uma diretiva europeia para reforçar precisamente a segurança dos pescadores no mar. As embarcações de pesca têm ainda, como qualquer barco, de ter equipamentos como boias de salvação e sinais visuais de socorro sonoros e de fumo, e de radiofones.


... mas não é obrigatório usá-los

A segurança dos pescadores está longe de estar garantida por estas regras, contrapõe, por seu lado, José Festas, da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar. “Todas as embarcações têm de ter coletes, mas não há obrigatoriedade de os pescadores os envergarem em trabalho”, explica o responsável, lamentando o elevado número de vidas perdidas na faina nos últimos anos. E continua: “O uso de coletes só é obrigatório nas embarcações de pesca local, nas costeiras não”.

O mestre do arrastão Neptuno Paulo Matias, companheiro de faina dos náufragos, corrobora. “Apenas em caso de emergência é que os pescadores têm de colocar o colete. Quando um barco vira, como aconteceu com o Olívia, obviamente, não há tempo de o fazer”, sublinha o pescador, assinalando que esta é uma falsa questão. “Houve falta de meios de socorro”.

O responsável da associação Pró-Maior, José Festas, recorda outro naufrágio, também ao largo da Figueira da Foz, para ilustrar a questão dos coletes: “O barco tinha oito tripulantes, morreram quatro, salvaram-se quatro. Todos os pescadores que sobreviveram explicaram que só conseguiram nadar, porque estavam sem os coletes. Se os tivessem colocados, tinham morrido como os seus companheiros”.

Miguel Sequeira, da direção-geral de segurança marítima, reconhece que este é um problema complexo: “As atividades da pesca têm um risco acrescido, já que estão expostas às condições atmosféricas e do mar, que contribuem com um elevado grau de imprevisibilidade”, refere, explicando que “tipicamente, cada acidente tem as suas causas e circunstâncias próprias. Entre mais frequentes, diz o mesmo responsável, estão “fatores humanos, externos e falhas técnicas ou do material”.

 Em Portugal, o trabalho de investigação deste tipo de acidentes, “minucioso e demorado”, cabe ao Gabinete de Prevenção e de Investigação de Acidentes Marítimos - que está a investigar o que aconteceu na Figueira da Foz.

sonia.balasteiro@sol.pt

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