Médicos defendem revisão de ementas de escolas e cantinas

Os oncologistas portugueses dizem não ter dúvidas: as carnes processadas, como salsichas, fiambre, bacon e hambúrgueres com conservantes, provocam cancro. Por isso, e perante o alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS), defendem alterações imediatas no consumo deste tipo de produtos e sugerem mudanças urgentes na alimentação que é dada nas escolas nacionais.

Médicos defendem revisão de ementas de escolas e cantinas

“Aos meus doentes digo-lhes que não comam carne processada como lhes digo que não fumem”, defende Jorge Espírito Santo, chefe de serviço de Oncologia do Hospital do Barreiro, sublinhando que a OMS incluiu estes produtos na mesma categoria de cancerígenos como o tabaco.

No relatório divulgado na segunda-feira, os peritos da Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC) da OMS colocam as carnes processadas no grupo 1 da lista de classificação dos agentes que provocam cancro. Neste grupo 1 incluem-se todas as substâncias consideradas “cancerígenas para o ser humano”, como o amianto ou os cigarros (ver texto ao lado).

Ou seja, os especialistas consideraram que há provas suficientes de que comer 50 gramas de carne processada por dia, o equivalente a três fatias de fiambre ou duas salsichas, por exemplo, aumenta em 18% a possibilidade de ter cancro colorretal.

Ementas escolares devem ser revistas

As crianças e os adolescentes são particularmente vulneráveis a estes produtos, alertam os oncologistas ouvidos pelo SOL. Por um lado são grandes consumidores de carnes processadas como salsichas em lata ou fiambre. Por outro, porque o seu corpo está em transformação e os efeitos de um consumo exagerado podem ter consequências no seu desenvolvimento.

Por essa razão,  defendem que as ementas das escolas e das cantinas universitárias ou dos lares devem adaptar-se a este alerta. “Devemos reduzir a quantidade de carnes processadas e aumentar o consumo de sopa, de vegetais frescos e de frutas”, diz a presidente do colégio da especialidade de Oncologia da Ordem dos Médicos, Helena Gervásio.  “Uma sandwish de fiambre não deve ser dada todos os dias, mas apenas uma vez por semana, sendo alternada com outros alimentos”, adianta, explicando que o risco aumenta com a quantidade e a frequência com que as carnes processadas são ingeridas.

Por isso, para o oncologista do Hospital dos Capuchos, Ricardo da Luz, “a melhor solução é mesmo diversificar a alimentação de forma a reduzir o consumo de carne processada”.

O alarme gerado na opinião pública vai mesmo levar a Direção-Geral da Saúde a avaliar a situação com especialistas. “Na próxima semana vamos debater esse assunto para perceber se há necessidade de reforçar a mensagem às escolas ou de fazer alterações pontuais nas recomendações”, avança ao SOL a subdiretora-geral da Saúde, Graça Freitas salientando, contudo, que as ementas das escolas já refletem muitas destas preocupações.

Também a Sociedade Portuguesa de Oncologia quer fazer um esclarecimento sobre o assunto. “Estamos a preparar um comunicado dirigido aço profissionais de saúde e à população em geral para esclareceu dúvidas”, disse ao SOL, a presidente Gabriela Sousa.

Um jogo de equilíbrios

Todos os anos mais de 3.800 pessoas morrem em Portugal de cancro do cólon e reto e surgem cerca de 7.000 novos doentes. Este é o cancro com maior incidência no país quando se analisam em conjunto em homens e mulheres.

O consumo de enchidos, salsichas ou bacon tem relação com estas mortes, apesar de o surgimento de um cancro ser sempre influenciado por vários fatores, defendem os especialistas. “Há certamente em Portugal mortes associadas ao consumo de carne processada, mas não há estudos nacionais sobre a mortalidade com o cancro colorretal e a alimentação dos doentes”, admite o presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO)  de Coimbra, Manuel António Silva.

Para o médico Vítor Veloso, da Liga Portuguesa contra o Cancro, as suspeitas sobre as carnes processadas são antigas e estão ligadas também a outras doenças oncológicas. “Há 20 anos, um estudo nacional já mostrava uma relação entre a maior incidência do cancro do estômago na região Norte do país, sobretudo em Viana do Castelo, e o processo de conservação e salga de carnes e enchidos”.

O risco de cancro está hoje associado a vários alimentos: do álcool ao sal ou à ingestão de grelhados carbonizados, por exemplo. Já no caso das carnes vermelhas, que também foram analisadas pelos peritos da OMS, esta evidência científica não é tão forte: estes produtos são apenas considerados “provavelmente” causadores da doença.

A resposta a estes alertas passa não só por reduzir o consumo, mas cada vez mais por um jogo de equilíbrios. “Temos de alternar estes produtos com outros cujos efeitos são manifestamente benéficos no combate ao cancro”, explica o coordenador nacional para as Doenças Oncológicas, Nuno Miranda, lembrando por exemplo que as carnes vermelhas têm um importante valor nutritivo e são ricas em zinco ou ferro.

Esta quarta-feira, após uma reunião extraordinária da Comissão de Segurança Alimentar, o secretário de Estado da Agricultura, Nuno Vieira e Brito reconheceu ao SOL que o consumo de carnes processadas e vermelhas deve “ser moderado”, salientando contudo que em média o consumo de enchidos ou fiambre andará numa média global de 25 gramas por dia. O responsável diz que a melhor resposta é a de apostar cada vez mais em alimentos da época, que não precisam de conservantes.

joana.f.costa@sol.pt