Entre modas balsâmicas

Ainda tenho na retina uma crónica antiga de Miguel Esteves Cardoso. Dizia que o Vinagre Balsâmico de Modena, com o seu complexo processo de fabrico (a passar de barrica para barrica) e envelhecimento (considera-se necessário entre 12 a 25 anos, havendo quem estique este tempo a 50), não chega para o uso excessivo que a…

Há dias, fazendo uma pesquisa sobre o creme balsâmico (um vinagre dito balsâmico e ainda mais espesso) agora também bastante em voga junto de cozinheiros menos acreditados, vi no site de um comerciante desta espécie a afirmação de que é feito com vinagres ‘estilo’ balsâmicos. E compreendi imediatamente esta proliferação do produto: não são verdadeiros vinagres balsâmicos, mas ‘estilo’.

Se queremos garantir-nos com um verdadeiro vinagre balsâmico, temos de exigir o selo de qualidade europeu, IGP (Indicação Geográfica Protegida). Ou ainda melhor e um nadinha mais caro, com a garantia de que é artesanal e de lá (de Modena, ou da região em que se insere no Norte de Itália, Emília-Romanha), com o selo DOP (Denominação de Origem Protegida, em vigor desde 1983). Deve chamar-se, em italiano, Aceto Balsamico Tradicionale de Modena (ou de Emília-Romanha), em que aceto, traduzido à letra por ‘ácido’, significa também ‘vinagre’.

Modena começou a fazer vinagre ainda na Idade Média, pelas uvas da região darem apenas vinhos de baixa graduação alcoólica (pouco apreciados para beber, impossíveis de exportar, mas que mediante um processo de produção cuidadoso deram os mais famosos vinagres do mundo).

A receita tradicional resulta da redução (cozedura em lume lento) do sumo das uvas brancas da casta trebbiano (embora também se usem outras castas, como a lambruschi, sangiovese, albana, ancellotta, fortana ou montuni), que dá um primeiro concentrado, e da sua passagem, em várias fases de fermentação, por diversos recipientes (tonéis) de madeira – seguindo sempre em concentração, engrossamento e evaporação. Os mostos menos cozidos são os preferidos, e exigem maior tempo de envelhecimento. Todo o processo deve decorrer em locais quentes e bem arejados, que favoreçam a atividade das bactérias acéticas. O inverno e as temperaturas baixas são aproveitados para trasfegas e adições de mosto cozido.

 O vinagre balsâmico, quando pronto, adquire aspecto denso, xaroposo e escuro (castanho forte), com perfume e sabor doce/ácido inconfundível, resultado de todas as operações efetuadas durante o longo período de elaboração nos diferentes tipos e tonéis de madeira. Admite-se a adição de caramelo (até 2%), para o engrossar mais. E há agora até quem prefira usar autênticos cremes balsâmicos, assim designados.

 Sendo um produto artesanal e não industrial, do agrado de todos os grandes chefs de cozinha do mundo (muitos usam-no não só para temperos, mas também para decoração dos empratamentos), não pode evidentemente existir na quantidade que por aí se vê. Em Portugal, garantido e com selo, só em boas lojas gourmet.

Os bons vinagres portugueses

Parece haver um consenso gourmet segundo o qual praticamente não existem bons vinagres portugueses. Em tempos, todas as adegas os faziam por cá, brancos ou tintos, num pequeno aproveitamento de mostos, anualmente atualizados com vinhos novos, numas barricas de uns cinco litros. Foi assim que comecei a apreciar o vinagre tinto feito numa quinta que a família da minha mãe possuía perto de Alenquer. Mas terá sido a ASAE, com os seus excessos, a acabar com este costume.

Hoje, a maioria dos vinagres nacionais são exportados, e reimportados muito mais caros (na maior parte como ‘estilo’ balsâmico).        

E, no entanto, as grandes regiões vinícolas, como as espanholas Rioja e Jerez, ou a prussiana Eiswein, têm os seus conceituados vinagres. Que nem sempre correspondem aos melhores vinhos. Por exemplo, no caso dos Vinagres de Jerez, os ideais não serão os Reserva ou Macetilla, mas os da casta Pedro Ximénez, e concretamente da marca El Majuelo.

Em Portugal, o mais conceituado (caríssimo, talvez também pela falta de concorrência), é o que tem o nome do seu autor, o enólogo da Bairrada Rui Moura Alves. Mas o vinagre Moura Alves só se vende em bons supermercados (estava nos do Corte Inglês) e em lojas gourmet.