A cortina de Ferro…

A eleição de Eduardo Ferro Rodrigues para presidir à Assembleia da República não reflete apenas a soma aritmética da ‘maioria de esquerda’, mas – muito mais grave – confirma a obediência dos deputados à vontade dos diretórios partidários, abdicando da sua independência, como se fossem marionetas nas mãos dos manipuladores. É mau demais.

Ferro Rodrigues – que António Costa foi buscar ao baú esquecido no sótão – representa o pior do PS, um fanático de Sócrates, a quem elogiou, sem o menor constrangimento, na sua estreia como líder parlamentar, função que desempenharia, depois, de uma forma apagada e medíocre.

Ao promovê-lo, agora, a segunda figura do Estado, António Costa evidencia, paradoxalmente, a sua solidão no partido, continuada, aliás, na indicação de Carlos César – o presidente do PS – como líder da bancada. Aparentemente, ninguém lá por casa se incomodou. Exceto Francisco Assis que, frontalmente, lembrou, por escrito, que «o silêncio é um refúgio eticamente inabitável».

A ética, como se prova, foi mandada às urtigas, e os patrulheiros de serviço, na pegada de Pacheco Pereira – sempre a malhar nos media e nos jornalistas, mas vivendo deles –, apressaram-se a atribuir as culpas da ‘união de esquerda’ ao discurso de Cavaco, quando, afinal, o cozinhado entre Costa, Jerónimo e Catarina já estava ao lume, segundo uma receita até hoje mantida secreta. Talvez seja o direito de seita, para usar o elegante jargão da porta-voz bloquista…

A farsa precisa de ser alimentada e nada melhor do que alvejar o Presidente – com os poderes diminuídos em final de mandato – para prevenir a ressaca das desgraças seguintes, quando as despesas do Estado e os juros da dívida começarem a galopar, colocando o país na órbita de outro resgate à grega.

Queriam que Cavaco nomeasse, à primeira, António Costa, para «o país não perder tempo», apesar de não haver memória de um perdedor ser ungido primeiro-ministro. Não conseguiram.

Em 22 anos de maioria aritmética de esquerda, como recorda João Carlos Espada no Público, «nunca houve governos de maioria de esquerda porque o Partido Socialista nunca deixou. Porque o Partido Socialista nunca aceitou coligar-se com o Partido Comunista».

Mas, para já, conseguiram eleger Ferro Rodrigues como prova de vida. Mal investido, tratou logo de atacar o Presidente da República pela esquerda baixa. Faccioso e lamentável.

O PS de Costa, com o Bloco e o PCP à ilharga, violou o princípio, nunca posto em causa, de o Parlamento eleger para seu presidente um deputado do partido mais votado nas eleições. A cegueira de Costa atropela tudo e pastoreia os deputados a seu bel-prazer.

Sejamos claros: a Assembleia da República, que foi presidida por personalidades socialistas respeitadas, desde Henrique de Barros a Vasco da Gama Fernandes, a Teófilo Carvalho dos Santos, a Almeida Santos ou a Jaime Gama, não merecia que lhe impusessem Ferro Rodrigues.

É o que temos, neste virar de página, enquanto o PS prossegue na via suicidária, a deitar pela borda fora o lastro de partido-âncora, com Sócrates, em roda livre, a fingir que nada deve.

É preocupante para a saúde democrática observar como líderes, mesmo falhados, podem moldar um partido aos seus interesses, com absoluto desprezo pelo país.

Foi assim com Sócrates, que amarrou o PS como quis e deixou Portugal quase falido, tendo ainda o topete de exibir-se em fanfarronices, com os media por perto.

É assim com António Costa que, para não assumir a humilhação sofrida nas urnas, empurra Portugal para os braços de comunistas ortodoxos e de extremistas urbanos – democratas de faz-de-conta –, ficando dependente deles.

A quem duvide, basta ler as cartilhas do PCP e do Bloco, elucidativas quanto ao seu posicionamento anti-democrático, anti-Europa, anti-Moeda Única ou anti-Tratado Orçamental.

Ninguém tenha ilusões sobre o caminho que será seguido, se perdurar esta aritmética de esquerda: captura do aparelho de Estado, asfixia gradual das liberdades, descontrolo das contas públicas, reversão das privatizações, controlo da banca
(debilitada) e dos meios de comunicação social.

E não faltará, depois, quem argumente que a culpa das aflições é do euro e da falta de solidariedade das instituições europeias. Será o pretexto para voltar ao escudo e ao isolamento. Os eurodeputados do PCP e do Bloco já o profetizam em Bruxelas, com descarada duplicidade.

O medo, como no PREC de 75, fará o resto, se não houver um rasgo de alma que inverta este plano inclinado.

É irónico que, em vésperas de se comemorarem os 40 anos do 25 de novembro – data mítica que rejeitou uma ditadura de sinal comunista –, o país esteja novamente confrontado com o abismo. Triste sina. A cortina de Ferro em São Bento só engana os incautos…