Caminhar juntos

Domingo, 25 de Outubro, na praça de S. Pedro de Roma, vi e ouvi o Papa Francisco anunciar o encerramento do Sínodo da Família com palavras de gratidão e de esperança.

Lembrando que sínodo significa caminhar juntos, o Papa falou destas três semanas em que 270 cardeais, bispos e teólogos discutiram, com grande abertura e franqueza, os problemas da família cristã e fez o balanço da reunião.

A família e as famílias cristãs – e os cristãos – estão no mundo; mundo esse que, se foi alguma vez só dos cristãos, deixou há muito de o ser. Na própria Europa, que chegou a definir-se como Respublica Christiana, a descristianização do último meio século veio alterar o clima moral da sociedade, que se tornou laica, às vezes agressivamente laica e pagã ou paganizada.

O Papa Bergoglio – que veio do Sul da América, de uma dessas periferias euroamericanas latinas, marcadas por tumultos políticos sangrentos ainda recentes – sabe bem o que é o conflito social e político. Como jesuíta e teólogo, sabe também, como o seu predecessor Bento XVI, que a descristianização da Europa (e essa espécie de morte ou ‘silêncio de Deus’ que tanto se reflete na literatura, no teatro e no cinema) são um espelho real e desafiador da idade contemporânea.

Sabe ainda que a Igreja não é igual ao mundo, mas está no mundo, e que se a verdade – Deus como Verdade e fonte da Verdade – é transcendente, os filhos de Deus são também do mundo; e sem a incorporação no mundo, na História e nos homens, a verdade, os valores, ficarão como categorias abstratas, escolásticas, arquivadas em volumes bafientos, memórias de um Quixote patético, esquecido e condenado pelo tempo.

Foi neste quadro e para lhe responder que o sínodo aconteceu e se concluiu. Não sem passar pela habitual guerrilha mediático-conspiratória (a doença do Papa, o ‘complô reacionário’, as especulações maximalistas). Não gosto de aplicar as categorias frívolas da análise política a coisas sérias, mas, por uma vez, e citando o Corriere della Sera, diria que se desenharam durante os debates três linhas – «conservadora», «reformista» e «centrista» –, com razões de princípio mas também raízes regionais e continentais. Os conservadores, com forte participação de norte-americanos e africanos, foram chefiados pelo cardeal australiano George Pell; os reformistas, europeus e latino-americanos, pelo cardeal Kasper; os centristas, a maioria, pelo arcebispo de Milão, Angelo Scola, contando com muitos italianos.

O resultado foi um caminho de continuidade e abertura prudente: a admissão aos sacramentos dos divorciados em condições a examinar pelos bispos e párocos; o firme propósito de combater a pedofilia; a recusa da condenação e anátema prévios a quaisquer orientações, mas um não claro e explícito aos projetos de equiparar ao matrimónio as uniões de pessoas do mesmo sexo: «Não existe fundamento algum para equiparar ou estabelecer analogias, nem regras remotas, entre as uniões homossexuais e os desígnios de Deus sobre o matrimónio e a família».