A atual situação política

1.O discurso do Presidente. É passado mas continua presente. O discurso teve duas partes. Uma na qual o Presidente, respeitando a forma constitucional e a tradição democráticas, indigita Pedro Passo Coelho.

Esta não foi polémica, exceto para aqueles para quem estas coisas das regras são uma perda de tempo. Mas o Presidente fez muito mais: com uma clareza pouco habitual –nele e na política portuguesa – alertou para os perigo de abrir o ‘arco da governação’ à extrema-esquerda parlamentar. Foi um terramoto. Foi criticado por excluir 1 milhão de portugueses. Foi acusado de chantagear a democracia com a ameaça dos mercados. Disse-se que acabou por contribuir para promover a unidade da esquerda e de ter favorecido a eleição de Ferro Rodrigues. Enfim, viu o candidato presidencial da sua área política demarcar-se, com a flexibilidade cervical reconhecida, da sua própria posição. O Presidente deve sentir-se por estes dias  muito preocupado e também muito isolado. Não sei se fez o discurso que fez apenas para que constasse, ou se para indicar que não dará posse a um governo do PS com o apoio do radicais de esquerda. Seja como for acho que fez muito bem. Em Portugal conhecemos muitos que lideram da retaguarda; nas horas graves é preciso ir para a frente com coragem, clareza e sem cálculo. E nenhuma das críticas me parece válida: se o discurso do Presidente exclui um milhão de portugueses, um governo PS com o apoio dos esquerdistas viola o voto de muitos mais; a unidade de esquerda existiria com ou sem discurso, pois está no pensamento e nas inclinações de Costa e Ferro há muitos tempo, talvez mesmo desde sempre. E a ameaça dos mercados, não é uma ameaça, mas antes uma promessa. Por mais juras de fidelidade orçamental que o PS faça, um seu Governo será sempre visto internacionalmente como um casamento à  ‘grega’.

2. PCP e BE. Apesar de  convergirem em muita opções de política, o PC e o Bloco são dois partidos essencialmente diferentes. Os comunistas, como verdadeiros leninistas,  são um partido de poder;  os Bloquistas, na tradição trotskista,  formam um partido de descontentamento permanente. O PC pode não assinar um acordo com o PS mas, assinando-o,  cumpri-lo-á.  Já o BE assiná-lo-á com facilidade mas, qual cata-vento,  mudará aos sabor da última causa fraturante ou exigência impossível. Parece-me claro que o PS não conseguirá garantir o apoio do PC por mais do que um ano. Será exatamente essa a duração do um seu eventual governo.

3.O cérebro. Tenho aqui elogiado muitas vezes o cérebro do programa económico do PS. Tenho dito mesmo que a coligação deveria abraçar muitas das suas propostas, designadamente as relativas ao mercado de trabalho. Mas estas já caíram,  como preço do acordo à esquerda. Como estou seguro cairão todas as medidas importantes e reformistas que Mário Centeno concebeu e logrou introduzir no programa que PS apresentou ao eleitorado. Bem pode a equipa de Mário Centeno ‘correr modelos’ para estimar o impacto orçamental das concessões à extrema-esquerda. Nada esconde o facto de o programa que concebeu e fez votar já não existir. Agora já só resta a vertigem do poder.