Operação Marquês: política e influências longe dos holofotes

Sócrates sempre pensou regressar ao palco político e reconquistar o eleitorado que, em 2011, lhe virou costas. Sonhava voltar a ser primeiro-ministro. E enquanto utilizava a sua entourage para tirar o tapete a António José Seguro e levar António Costa a secretário-geral do partido, arranjava, com a ajuda de um professor de Direito, credenciais académicas…

Operação Marquês: política e influências longe dos holofotes

Em 2014, Maria João Santos, que durante duas décadas fora funcionária do PS e secretária de Sócrates no Governo, inspirou-se nessa ideia para sobreviver. O ex-líder socialista sempre foi homem generoso para quem estivesse do seu lado e ela pedira uma licença sem vencimento para continuar a assessorá-lo, mas sem contrato nem descontos para a Segurança Social. Durante um ano dedicou-se-lhe em exclusivo: ganhava melhor mas pela ‘porta do cavalo’, até que começou a meditar no futuro e regressou ao PS.

Após descontos, Maria João nem chegava a levar para casa mil euros e Sócrates, crítico da liderança, comentava entre os mais chegados o caso da secretária e a falta de exemplo de um partido que se diz progressista.

Era por estas e por outras que sentia ter de intervir, mudar o cenário socialista. Na luta política, tomou partido e moveu influências. Em março de 2014, as cartas já estavam na mesa para tirar Seguro da liderança.

Pede ajuda a Soares para trazer Lula e apoiar António Costa

Sócrates recorreu então a dois dos seus trunfos: Lula da Silva e Mário Soares. Por sua influência, este convidou o ex-Presidente brasileiro a vir a Lisboa em abril, para assinalar com os socialistas portugueses o aniversário da Revolução. E a ideia era que voltasse meses depois para apoiar António Costa no Congresso do PS, inicialmente agendado para outubro.

Em abril, Lula aceitou o convite e as viagens pagas, apurou o SOL junto do círculo socialista, mas acabou por se recebido primeiro em Belém –  onde ofereceu a Cavaco Silva uma camisola da Seleção brasileira.

As notícias na Comunicação Social, que atribuíram ao Presidente da República o convite a Lula, incomodaram Soares. E acabaram por abortar o efeito-surpresa que se pretendia com a intervenção do político brasileiro sobre ‘O 25 de Abril visto de fora’, programada para o dia das comemorações da Revolução na Fundação Mário Soares.

Na luta política para derrubar Seguro, Sócrates fez pendant com os mais fiéis: Mário Soares, Vieira da Silva, Edite Estrela e Manuel Pinho, entre outros. Mas Carlos César, que se reformou depois de sair do governo e da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, recebendo quase dois mil euros mensais, foi a grande aposta no seu plano de regresso à política.

Ao nível partidário, corria o rumor de que Sócrates ambicionava era o lugar de Belém. Mas, na verdade, a ideia de voltar a ser primeiro-ministro de Portugal nunca o abandonou. A Presidência ficaria para Carlos César quando chegasse o momento de rasteirar Costa.

Entretanto, porém, a Operação Marquês alterou os planos. A prisão preventiva caiu em cheio em cima do Congresso que consagrou António Costa na liderança. Mas César entrou para presidente do partido – e daí para líder do grupo parlamentar (eleito esta semana) foi um pulo.

Jantar com Salgado em plena crise do GES

Sócrates sabe de que grupo sanguíneo se alimenta o poder. A meio de 2014, já são mais que conhecidos os problemas com que se debate o Grupo Espírito Santo – em colapso financeiro e de liderança, com Ricardo Salgado à beira de sair da presidência do BES por exigência do Banco de Portugal.

Apesar de os amigos do seu universo partidário considerarem que o banqueiro se colocara a jeito, o ex-primeiro-ministro aceitou um convite para jantar em casa de Salgado, na Quinta da Marinha.

Por essa altura, o líder da família Espírito Santo disparava em todos os sentidos, pedindo ajuda a figuras proeminentes como Cavaco Silva e Durão Barroso para tentarem demover o primeiro-ministro e a ministra das Finanças a concederem um financiamento de centenas de milhões de euros ao GES e assim evitarem a queda do seu império. O jantar com Sócrates foi mais uma peça no xadrez.

O plano de Pinho: formar quadros e rede de influência nos EUA

Sócrates nunca abandona os amigos e vice-versa. Pela mesma altura, Manuel Pinho, o ministro da Economia a quem bastou apenas um tique inconveniente de mão para abandonar a pasta no segundo governo de Sócrates, pedira-lhe para aproveitar a oportunidade e interceder por ele junto de Lula.          

 O ex-ministro estava como professor na universidade norte-americana de Columbia e queria organizar um programa de bolsas para formação de altos quadros de países de expressão portuguesa.

Como nos EUA é prática habitual serem as empresas a financiarem projetos académicos, Manuel Pinho – que já contava com apoios portugueses (como a FLAD) e angolanos (como o banco BIC) – precisava de uma mão no Brasil. O ex-ministro queria que o projeto fosse uma espécie de grupo de Bilderberg do espaço lusófono, onde se exercesse um magistério de influências que o PS poderia aproveitar – levando figuras como António Vitorino e o antigo braço-direito de Sócrates, Pedro Silva Pereira, além do próprio Lula da Silva, para dar formação aos ‘alunos’.

A ideia não desagradou a Sócrates. Já decidira trocar Paris pela universidade em Nova Iorque, onde Pinho dá aulas para concluir uma pós-graduação, rejeitando até a oferta que este lhe fizera para custear a estada. O dinheiro não era problema.

felicia.cabrita@sol.pt