O mito de Mariline Mão-Rói

Tantos anos passados, a morte de Marylin Monroe continua envolvida em mistério. Aliás, bem como boa parte da vida da malograda estrela. Um desses insondáveis desígnios reside na forma como muitas pessoas insistem em pronunciar o nome da antiga sex symbol: aportuguesando o nome próprio da diva e escavacando-lhe o apelido.

a cara-metade do escriba, admiradora de marylin, decidiu adquirir recentemente uma enorme fotografia da actriz, onde esta se apresenta sorridente, num vestido coleado e de corte intemporal, tom dourado e decote – como seria de esperar – generoso. é uma das imagens icónicas de monroe, onde transparece de forma clara o porquê de se ter tornado num eterno símbolo de sensualidade. ora, quando o vendedor perguntou se era para emoldurar o quadro de ‘mariline mão-rói’, ocorreu-me que este tratamento poderá ser uma estratégia de auto-controlo, uma defesa pessoal contra a carga atractiva de monroe – ainda que limitada a duas dimensões. quem a trata assim, fá-lo para desguarnecer o sex appeal da imagem, evitando assim cometer uma loucura como dirigir-se à conservatória mais próxima no intuito de celebrar matrimónio com a fotografia.

assim, demos por nós a praticar o mesmo chamamento mas relativo agora a outras potenciais destruidoras de lares – gente como elizabeth taylor, angelina jolie, sophia loren, kim basinger ou ava gardner. doravante elizabete tai-lóre, angina jola, sofia lourão, quim bacio ou dava guarda. quem ainda quiser enfeitar as paredes de casa com flashes destas senhoras, que atire o primeiro trocadilho.

ii – carta a jesus por causa da namorada

caro mister jorge,

a minha namorada não liga peva a futebol. ninguém é perfeito, como se sabe, e em bom rigor é preciso dizer que a ela só lhe falta mesmo isso (ah, e o pormenor de ser alérgica a gatos). todavia, gosta sobremaneira de o ver falar nos flash-interview ou conferências de imprensa. é algo que a diverte, sempre à espera de um neologismo, erro de concordância ou expressão cómica. certa vez, mostrou-me até um vídeo no youtube, no qual – através de uma edição brincalhona – parece mesmo que o caríssimo treinador do glorioso… ladra. enfim, sorrio e não ligo. aliás, em tempos, escrevi nesta mesma página que quique flores – na altura técnico do slb – era demasiado lady para o clube do povo, e que o benfica precisava mesmo era de si (então ao comando do sporting de braga). fiquei felicíssimo quando assinou por nós e não me interessa nada que seja adepto do sporting ou quantas calinadas gramaticais dá. os cães ladram e a caravana passa.

única e exclusivamente por solidariedade afectiva, e por ver o quanto sofro durante os jogos do slb, a minha namorada deseja que ganhemos e até faz o esforço de tentar compreender certas regras às quais jamais deu a mais insignificante importância. domina hoje perfeitamente, por exemplo, a questão do fora-de-jogo. e até o exclamou, alto e bom som, em directo e durante a fatídica jogada que deu a enésima vitória do fcporto sobre nós. é por pequeninos consolos, como este, que ainda não perdi a esperança de a fazer apaixonar-se pelo beautiful game. daí a decisão, tão irracional como o meu apreço pela bola, de escrever-lhe.

estou-lhe tão grato pela primeira época ao serviço do nosso clube, tão agradecido por aquele futebol deslumbrante, aguerrido, pelos jogadores que lançou, formou e renderam milhões, que lhe tenho perdoado umas quantas coisinhas: o erro de casting de roberto, perder o acesso a uma final europeia à mercê do braga, ver o fcp virar em nossa própria casa uma eliminatória da taça de portugal que parecia no papo, a aparente displicência com que enfrentámos o seu 2.º campeonato à frente dos destinos encarnados, a forma como destratou nuno gomes, olhe, até lhe perdoei os 5 secos que arrecadámos no dragão.

mas agora não posso deixar de confessar-lhe a minha mais profunda consternação. tenho dificuldades em entender a humilhante realidade de, no espaço de 11 dias, termos conseguido passar de 5 confortáveis pontos de avanço na liga para 3 (provavelmente 4) de atraso. não consigo vislumbrar o motivo pelo qual mantém na bancada um defesa-esquerdo campeão da europa e do mundo para insistir num rapaz claramente enganado quanto à sua vocação, que joga como se o relvado estivesse em chamas e a bola fosse uma granada. por que renovou com saviola se ele parece não contar? por que quebram fisicamente as suas equipas nos últimos terços das épocas? por que dispensou ruben amorim para um rival directo? por que não explica a gaitán que o futebol é um jogo colectivo? para que contratou yannick?

preciso muito da sua ajuda, mister. é que se porventura perdermos, como parece tristemente provável, o campeonato para o porto de vítor pereira, aaargh, a vergonha vai obrigar-me a emigrar. como explico isto à cara-metade, sr. jorge? lembra-se do miúdo italiano que há coisa de umas semanas foi a san siro com um cartaz que implorava ao inter que ganhasse para ele não ser mais gozado na escola? pois… alguma hipótese de, hãa, como dizer?, sermos campeões europeus?

lfb_77@hotmail.com