Madonna: ‘A vida é um grande engarrafamento’

Durante o último ano, Madonna terminou a realização de um filme, gravou MDNA, o novo disco que chega às lojas segunda-feira, actuou na final da Super Bowl e manteve os vários projectos na moda. Como consegue fazer tudo isto ao mesmo tempo? A cantora explica em entrevista publicada em exclusivo no SOL.

hoje, o mundo inteiro ficará a conhecer o novo trabalho discográfico de madonna, intitulado mdna. a opção por esta brincadeira gráfica, que joga com as letras que formam a palavra madonna, revela que a cantora tem a consciência perfeita de que o seu nome tem o valor de uma marca exclusiva. uma simples abreviatura em capitulares não diminui a mensagem, mas sim, pelo contrário, sublinha ainda mais a força de um nome, o seu. principalmente quando em jogo não está apenas o lançamento de mais um álbum (aposta sempre ganha independentemente do conteúdo).

o timing para a edição de mdna coincide com a recente estreia mundial de w.e., o segundo filme realizado pela artista (ainda sem data de estreia em portugal). mas se na música os seus 25 anos de carreira são herança suficiente para aplaudir madonna de pé, a incursão na sétima arte enquanto realizadora – já o tinha feito em 2008, com sujidade e sabedoria, filme que obteve más críticas – continua a não suscitar as mesmas vénias: w.e. foi, inclusive, recebido com vaias pela imprensa no festival de cinema de veneza. por isso, usar a música como alavanca para o seu trabalho cinematográfico é uma manobra de marketing que mostra, mais uma vez, como madonna é doutorada na gestão da sua imagem.

mesmo com todas as críticas que w.e. já recebeu, a cantora – e realizadora, actriz, designer de moda, etc. – afirma-se muito orgulhosa com a longa-metragem, à qual dedicou os últimos três anos da sua vida. nos intervalos das filmagens foi gravando mdna, cujo primeiro single foi apresentado mundialmente no intervalo da final do campeonato de futebol americano, a super bowl, acontecimento que, literalmente, pára os estados unidos e tem uma média de 111 milhões de espectadores anualmente. por cá, a cantora actua em coimbra a 24 de junho.

este ano foi a artista escolhida para actuar no intervalo da super bowl. como recebeu o convite?
tenho de admitir que, em 25 anos de carreira, nunca trabalhei tão arduamente ou fui tão meticulosa, como desta vez. actuar para uma audiência tão grande é sempre uma responsabilidade enorme, mas no caso da super bowl tive de manter o meu equilíbrio mental para conseguir realizar um espectáculo extraordinário.

a sua actuação contou com a participação de, entre outros, os lmfao, cirque du soleil, nicki minaj e m.i.a. foi tudo pensado por si?
trabalhei com o jamie king, um colaborador meu de longa data. ele já concebeu e dirigiu imensos espectáculos meus e também trabalha com regularidade com o cirque du soleil. mas a equipa incrível de pessoas que construiu o palco também está de parabéns.

como foi aguentar aquele esforço físico, uma vez que estava lesionada?
foi tranquilo. fiz um bom aquecimento [risos]. senti-me como um dos jogadores, com toda a terapia psicológica que é necessário fazer antes de entrar em campo.

como se preparou fisicamente?
como estou prestes a iniciar uma nova digressão, tenho treinado bastante nos últimos tempos, especialmente na parte cardio. também estou a fazer uma combinação de pilates e dança. houve uma altura que fazia pilates regularmente, mas agora o exercício físico de que mais gosto é dança aeróbica. é a melhor coisa para o rabo. nem acredito que estou a dizer isto…

dedicou esta actuação ao seu pai. porquê?
porque fui criada na região centro-oeste dos estados unidos e ele é a personificação dos valores desta zona. foi ele que me transmitiu a ética que tenho hoje. se sou uma rapariga que trabalha arduamente e nunca pára é por causa dele. e tenho a certeza de que, de todas as coisas que fiz na vida, esta actuação no super bowl seria a coisa que o deixaria mais orgulhoso.

disse que também está a preparar o seu novo espectáculo. tem algum ritual antes de entrar em palco?
muitas orações.

apresentou o single ‘give me all your luvin’, o primeiro cartão-de-visita para o seu novo álbum, intitulado mdna. o que podemos esperar do registo?
fiz a maior parte do álbum com o martin solveig, que é dj e produtor. adoro o som dele. é realmente fresco e não se assemelha a mais ninguém. ele é brilhante e muito talentoso. estou sempre a dizer que a música dele é feliz. pelo menos a mim deixa-me sempre com um sorriso na cara e espero que o meu disco faça o mesmo com as pessoas que o ouvirem. mas, além do martin, também colaborei novamente com o william orbit, que consegue sempre deixar-me mais introspectiva. as canções dele costumam ser – não quero dizer ‘negras’ – mais pensativas e introspectivas. por isso, acho que há um bom equilíbrio entre a luz e a escuridão.

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o que a inspira a ser criativa?
a vida!

e o amor é algo que rege a sua vida?
amo os meus filhos e eles comandam a minha vida. mas também adoro o meu trabalho e, em certa medida, isso também é o centro da minha vida. por isso, sim, posso dizer que o amor rege a minha vida.

que conselhos dá a artistas que estão a começar as suas carreiras agora?
se não acreditam no que estão a fazer e se não tiverem a paixão, desistam já. vingar neste mundo é muito difícil, por isso não vale a pena se não estiverem 100% certos do que querem fazer. vai haver muita gente a querer deitar-vos abaixo ou a dizer que vocês não conseguem. se acreditam no vosso talento, tenham fé em vocês mesmos. isso é fundamental. e depois, não levem nenhuma crítica demasiado a sério.

se o simon cowell a convidasse para júri do x factor [concurso de televisão britânico que procura novos talentos musicais] aceitava?
acho que já tenho trabalhos suficientes!

de facto, durante 2011, entre outras coisas, realizou um filme, gravou um disco novo, preparou o espectáculo para a super bowl, continuou com a sua marca de roupa, material girl, e lançou um perfume. como explica esta necessidade de estar sempre a fazer coisas criativas?
demorei três anos a terminar o filme e, enquanto fazia isso, também tinha essas coisas todas à minha volta a dizer: ‘hey, e eu? também preciso de atenção!’. tenho uma carreira musical que nunca posso descurar e concluir o novo álbum era a prioridade logo a seguir ao filme. mas depois fui convidada para a super bowl, que foi uma honra, mas acabou por ser um consumo de tempo muito grande, por causa de toda a preparação necessária. e agora vou começar a digressão para promover o novo registo. como consigo fazer isto tudo ao mesmo tempo? não sei. acho que a vida é mesmo assim. um grande engarrafamento.

no início do ano ganhou o globo de ouro, na categoria de melhor canção original, com ‘masterpiece’, tema do filme w. e., que realizou. a sua vitória irritou elton john, que antes e depois da cerimónia disse publicamente coisas feias a seu respeito. como foi vencê-lo?
espero que ele fale comigo durante os próximos anos. nunca percebo porquê, mas acho que já se sabe que ele costuma ficar furioso comigo de quando em quando. acho-o brilhante e adoro-o. tenho a certeza que ele vai ganhar outro prémio brevemente. mas sobre o globo, não me sinto mal por ter ganho.

qual foi a primeira pessoa a quem ligou a contar que tinha ganho?
a minha filha lourdes.

w.e. conta a história de eduardo viii, que abdicou do trono britânico para casar-se com wallis simpson, uma norte-americana divorciada. era capaz de abdicar da sua vida por amor?
bem, nunca ninguém me pediu para fazer isso…

o que a atraiu na história?
a primeira vez que ouvi esta história foi no liceu, na disciplina de história. mas só conheci os pormenores quando casei [com guy ritchie] e fui viver para inglaterra. no início sentia-me um pouco perdida, como uma forasteira. então pensei, ‘se me quero sentir confortável neste país, tenho de aprender a história de inglaterra’.

o que fez?
comecei a ler livros. comecei com a biografia de henrique viii e parei na de eduardo viii. parei aí porque ele abdicou do trono pela mulher que amava. entre henrique e eduardo, nenhum outro rei fez isso. achei esta atitude super interessante, intrigante e mística. por isso, quis compreender melhor a natureza daquela relação, o que aconteceu realmente, o que ela tinha de especial para um rei abdicar do seu trono. a ideia de fazer o filme começou por aí.

mas porque se identificou tanto com esta história?
porque wallis simpson mudou-se para inglaterra, em certa medida, para recomeçar a sua vida, depois do primeiro casamento com ernest simpson. ela também se sentiu uma forasteira durante bastante tempo e foi tratada como tal para o resto da vida dela. como se casou com eduardo, que deixou o trono por ela, a sua frase mais conhecida é: ‘vou ser a mulher mais odiada do mundo’. e, de facto, foi. ela recebeu, todos os dias, milhares de cartas de ódio depois de se ter casado com eduardo. quando alguém deixa de ser rei por nós, temos a obrigação de fazê-lo sentir-se como um rei para o resto da sua vida. isso deve ser a coisa mais difícil e desafiadora que há. é por isso que acho que ela também não teve uma vida fácil, mesmo acreditando que eles se amaram de verdade. é uma história paradoxal.

por que quis contar a história no passado e no presente, com duas protagonistas?
porque queria ser muito clara a afirmar que isto é um ponto de vista. e que a verdade é sempre subjectiva. o meu objectivo nunca foi fazer uma biografia exacta do duque e da duquesa de windsor [o título atribuído ao casal, depois de eduardo abdicar do trono].

o facto de ser americana, com uma perspectiva diferente da dos ingleses, influenciou a história?
bem, acho que quando se é um forasteiro consegue ser-se mais objectivo do que quando somos muito próximos. é como ir a roma. os italianos nem se apercebem de quão bonita é a cidade onde vivem, porque eles sempre a conheceram assim desde que nasceram. esta história é quase a mesma coisa. acho que tive o discernimento da objectividade, por ser, exactamente, uma pessoa de fora. mas eu vivi em inglaterra durante dez anos antes de escrever o argumento. e fiz imensa pesquisa. e fui casada com um britânico.

o que aprendeu com este processo todo? olhando para trás, mudaria alguma coisa?
acho que as coisas aconteceram todas como o previsto. sinto que todas as opções que fiz foram as correctas. quando se é artista e se está a fazer qualquer coisa criativa, a determinada altura a parte empírica do cérebro desliga-se, até porque não se pode estar sempre a perguntar ‘porquê?’, ‘por que quero fazer isto assim?’.

o que quer dizer com isso?
senti que havia algo nesta história com que as pessoas conseguiam relacionar-se. mesmo tratando-se de um evento histórico, acredito que todas as pessoas percebem este tipo de acontecimentos. para mim, esta história é sobre a não existência dessa coisa chamada amor perfeito. todos nós já passámos por esta descoberta dolorosa. a determinada altura das nossas vidas, já ficámos todos de coração partido porque escolhemos a pessoa errada para estar ao nosso lado. pensamos sempre que aquela pessoa vai ficar a nossa vida inteira, até ao dia em que, num profundo exame de consciência, percebemos que a nossa felicidade está apenas nas nossas mãos.

acredita então que temos de ser felizes por nós próprios para conseguirmos ser felizes com outra pessoa?
sim, completamente. só assim conseguiremos ter uma relação feliz. acho esta mensagem muito importante e acho que foi isto que a wallis descobriu, a par da última pergunta que ela faz no filme: ‘podemos mudar o nosso destino?’. esta questão é muito relevante para mim nesta altura da minha vida. acredito que, independentemente do sítio onde estamos na nossa vida, podemos sempre mudar. nunca estamos presos a um só lugar.

que filmes a influenciaram para fazer este?
o último ano em marienbad [obra de alain resnais, de 1961] foi um deles. inspirei-me muito na magia que o filme transmite. mas de um ponto de vista técnico, o que adoro em o último ano em marienbad é a forma como alain resnais usa as imagens em movimento. ele está constantemente em movimento e a câmara está sempre a deslizar através daqueles castelos na alemanha. além disso, ele filmou muita coisa através de espelhos, só para nos enganar e não sabermos nunca para onde estamos realmente a olhar: se para a imagem verdadeira ou para um reflexo dela. adoro isso e apliquei essas técnicas no meu filme.

foi influenciada por mais algum filme?
adoro as cenas e as coreografias do la vie en rose, brilhantes, a moverem-se de sala em sala. quando vi esse filme pensei imediatamente: ‘quem me dera ter sido eu a realizá-lo’. sei que gosto muito de qualquer coisa quando percebo que gostava de ter sido eu a fazê-la. por isso, quis tentar reproduzir essa técnica de la vie en rose no meu filme, só para ver se também conseguia fazer aquilo. acabou por resultar na cena em que a wallis vai ao hotel maurice, atravessa vários quartos até encontrar as outras personagens. é uma cena muito longa, que foi filmada sem qualquer corte. em termos musicais, adoro o fabuloso destino de amélie.

como escolheu a banda sonora para w.e.?
o compositor, abel korzeniowski, é fantástico. estou muito orgulhosa. acho que a música neste filme é fenomenal e essencial para contar este romance. acho que o abel é realmente talentoso e apanhou maravilhosamente a história. ele tem aquela angústia típica da europa do leste e acho que isso combina muito bem com a personagem evgeni, que toca piano e também é um compositor. trabalhámos muito bem juntos, até porque ele adora as mesmas bandas sonoras que eu.

tem várias músicas dos sex pistols no filme. como isso aconteceu? ligou-lhes e disse: ‘é a madonna, preciso deste disco’?
disse mesmo isso! eles primeiro responderam ‘não’ e depois disseram que só se fosse por determinada quantia. e eu respondi: ‘podemos encontrar um meio termo?’.

já está a pensar no próximo filme?
sim, já. mas agora vou andar muito ocupada com a promoção e digressão do novo disco.

a moda tem um papel importante em w.e.. nunca pensou em fazer um filme sobre a coco chanel?
já se fizeram dois filmes sobre ela. um terceiro? não! acho que já chega de alta-costura!

alexandra.ho@sol.pt