‘Taxa Tobin’: Só se for global

Parece-me óbvio que, sem que todo o Mundo aderisse a esta tributação adicional, se assistiria a uma maciça fuga de capitais da Europa para outras paragens.

recentemente, os ministros das finanças da união europeia (ue) debateram a melhor forma de implementar uma taxa sobre transacções financeiras no espaço dos 27. nove países já se manifestaram a favor da introdução de uma tal tributação, entre os quais portugal; a comissão europeia (ce) estima que poderão ser arrecadados cerca de 57 mil milhões de euros por ano, pagos pelas instituições financeiras, com uma taxa de 0,1% sobre transacções financeiras (obrigações, acções e outros títulos). uma ideia inspirada na proposta feita em 1972 pelo nobel da economia (de 1981) james tobin, de lançar uma taxa semelhante sobre transacções financeiras internacionais – que nunca foi implementada mas que, ainda assim, ficou conhecida como ‘taxa tobin’ –, destinada a desencorajar a especulação nos mercados financeiros, financiar as nações unidas e ajudar os países em vias de desenvolvimento.

a defesa de uma iniciativa deste género sustenta-se nos argumentos de tobin, juntando o comissário europeu michel barnier que se trata de um «imposto economicamente suportável, financeiramente produtivo, tecnicamente fácil e politicamente justo», assegurando uma «justa contribuição do sector financeiro no combate à crise» e beneficiando, com esses recursos adicionais, aqueles que foram afectados pela instabilidade financeira.

já o secretário de estado britânico para a europa, david lidington tem a posição oposta, tendo classificado a ideia como «louca», porque a sua implementação iria conduzir a menos crescimento económico e à perda de postos de trabalho na união europeia.

não partilho da forma como a implementação desta ideia parece estar a ser pensada na europa, aproximando-me muito mais da posição britânica. explico a seguir porquê.

até pode ser defendido que, tendo algumas actividades de especulação financeira sido responsáveis pela profunda crise iniciada em 2007-2008 e que (ainda) hoje estamos a viver, é justo que, com uma tributação adicional, possam ajudar a minorar os efeitos negativos que daí têm resultado, sobretudo levando a um maior apoio aos que mais têm sofrido (entre os quais se contam as vítimas do desemprego). e que uma tributação acrescida possa contribuir para desincentivar as transacções mais arriscadas para o sector financeiro, reduzindo a especulação e também o risco de futuras crises. penso, porém, que uma tal decisão só será realmente efectiva e produzirá efeitos se for tomada a nível global – nunca podendo, em meu entender, ser tomada a nível europeu, seja parcelarmente, ou em toda a ue.

é certo que, no debate em curso nos 27, parece existir um consenso de que só com a adesão de todos os países a esta ideia ela poderá avançar. naturalmente, se londres mantiver a sua oposição, a ideia morrerá: não só a ce estima que mais de 60% da receita a angariar seria originada no reino unido, como é na capital britânica que se concentra quase 1/3 das transacções financeiras da ue. com o reino unido de fora, as transacções e os capitais deslocar-se-iam num abrir e fechar de olhos das praças financeiras da europa continental para londres (que passaria, por exemplo, a ser ainda mais procurada pelas empresas para aí estarem cotadas).

sucede, e é por isso que percebo bem o ponto de vista britânico, que o mesmo raciocínio pode – e deve – ser aplicado no que toca à relação entre a ue e o resto do mundo. a maior praça financeira mundial é, sem dúvida, nova iorque, onde a new york stock exchange e a plataforma nasdaq concentram quase 50% das transacções financeiras mundiais. mas as praças asiáticas têm vindo a congregar cada vez maior atenção (só as praças chinesas de shanghai e shenzhen já pesam mais de 10%, representando tóquio cerca de 6%) – e não se poderá esquecer, embora a outro nível, a américa do sul (com destaque para o brasil, com 1,5% do total) e também áfrica e o médio oriente. sinceramente, parece-me óbvio que, sem que todo o mundo aderisse a esta tributação adicional, se assistiria a uma maciça fuga de capitais da europa para outras paragens… e lá seriam deitadas por terra as projecções de receita adicional estimadas pela ce – ao mesmo tempo que os efeitos em termos de crescimento económico seriam (ainda) mais negativos para o nosso continente, levando, sem dúvida, a um aumento do desemprego (que o governo britânico estima em cerca de 400 mil indivíduos). precisamente, o oposto do que se pretende atingir…

ora, no ambiente global extremamente competitivo e concorrencial que vivemos, não pode deixar de causar estranheza – mesmo apreensão – os moldes em que esta iniciativa foi lançada na europa, ao que se sabe, mais uma vez, com uma contribuição relevante do eixo franco-alemão. qual a receptividade desta matéria noutras paragens? qual a posição dos eua? e da china? que pensará o japão do tema? e o brasil? e…

sinceramente, não consigo discordar da posição desfavorável do reino unido, cujos responsáveis, pelo que se conhece – e felizmente –, nunca patrocinarão esta ideia. só quando todo o mundo estiver de acordo, a ‘taxa tobin’ fará sentido – e aí sim, não podendo haver escapatórias para o capital financeiro, os efeitos poderão ser os desejados. até lá, não creio que se trate de uma ideia que tenha pés para andar.