Casa Pia: ‘Fiz aquilo pela droga e pelo dinheiro’ [vídeo

Ricardo Oliveira explica que quis dar esta entrevista ao SOL para «voltar a dizer a verdade», porque sente «remorso» do que fez. E recorda como foram feitas as entrevistas a Carlos Tomás.

Durante 10 anos, sempre deu a mesma versão dos factos, depois desmentiu tudo ao jornalista Carlos Tomás. O que se passou?

Comecei a mandar-lhe e-mails no Facebook. Vocês avisaram-me para não me meter nisso, mas decidi mesmo assim meter-me. Queria apanhá-lo na toca dele e afinal fui eu que caí na toca.

Lembro-me dos e-mails que me enviou, entre Maio e Julho (2011). Tomás prometia que lhe pagava…

Sim, que ia a Paris ter comigo, que levava o Ilídio [Marques, outra testemunha, que já dera uma entrevista a Carlos Tomás, publicada no Expresso], que me pagava o bilhete para eu vir cá e dar-lhe a entrevista, mas eu disse-lhe que não. Depois vim para Lisboa, não lhe disse nada, desci ao Algarve, fui para casa de um amigo meu [Pedro Lemos], que cresceu comigo, que é outra testemunha deste processo, mostrei-lhe a entrevista do Ilídio e, como estavam a dizer que o Carlos Tomás tinha pago 15.000 euros, eu disse ao Pedro que íamos fazer a mesma coisa. Ele estava a precisar de dinheiro e eu também, para o consumo…

Para quem durante 10 anos manteve uma versão, mudar assim de repente… Isto não tem uma motivação mais forte?

Sou adicto à cocaína, fiz isso pela droga e pelo dinheiro. O Pedro é porque estava desempregado e também fuma droga.

O que lhe foi prometido?

O Tomás propôs-me dinheiro, algumas quantias, mas eu queria era droga. Mandava-o comprar droga e ele ia comigo, com o Lemos e o Ilídio. E sempre que precisava de dinheiro, ele dava-me. Dizia que era meu amigo, que ia vender as entrevistas e que me dava metade. Eu só estava a usá-lo para comprar cocaína.

Quantas curas de desintoxicação fez, ainda na Casa Pia, já depois de se conhecer o escândalo?

Umas três, quatro. Eu não queria, dizia que brincava com as drogas, que não era adicto. Mas estive no Porto, numa grande clínica, uma das melhores da Europa (foi o Dr. João Goulão, a Dr.ª Catalina e o Dr. Álvaro [Carvalho, psiquiatra das vítima da Casa Pia] que me ajudaram a encontrá-la. Estive noutras em Almada e em Coimbra, mas nunca fiz o tratamento até ao fim.

Afinal onde é que está a verdade? No que disse durante 10 anos ou no que veio dizer a Carlos Tomás?

A verdade é aquilo que eu disse durante 10 anos. Só mudei porque estava a precisar de droga e de dinheiro. E ele começou a andar atrás de nós para contarmos outra versão. Vinha a mando de outras pessoas, só queria destruir-nos, para ir aos nossos pontos fracos, que é a droga, o dinheiro, a vida fácil – e nós aceitámos.

Quem eram essas pessoas?

O Carlos Cruz e o Ferreira Diniz é que lhe pagavam. Eu falei ao telefone com o Carlos Cruz, ele dizia para eu o ajudar, por causa da filha, prometia mundos e fundos. Mesmo o Carlos Tomás dizia que eles é que estavam por trás, que eles é que davam o dinheiro.

Num requerimento que assinou e enviou à juíza Ana Peres (que presidiu ao julgamento), diz que quer ser de novo ouvido em Tribunal, uma vez que as declarações que prestou às autoridades resultaram na acusação de pessoas inocentes.

Mas isso foi o Carlos Tomás que me ditou. Escrevi isso num café, no Areeiro.

Mas como é que ele o convence a fazer isto? Não tinha uma arma apontada ao seu peito!

Não… Mas como já lhe tinha dado uma entrevista antes, continuei.

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A troco de quê?

Da cocaína. Eu não estava bem, estava metido nisso até ao fundo. Ele vinha comigo comprar a sítios onde eu nunca tinha ido e que nem conhecia, ele é que me levava. Era assim, ele usava todos os dias 120, 140 euros para eu ir comprar a cocaína.

Isso durou quanto tempo?

Uns quatro, cinco meses. Desde Julho, Agosto, Setembro…

E o Ilídio?

Ele está uma caveira. Injecta heroína, está com a Morte ao lado. Destruíram-no mesmo a sério.

Mas pagaram-lhe em dinheiro e em droga?

Sim. Ele telefona ao Carlos Tomás e ele paga-lhe mesmo. Porque, com o Ilídio, a pessoa que ele acusou mesmo no julgamento foi o Hugo Marçal. Não estava prescrito. Foi a pessoa que ele meteu mesmo na prisão. E como eles o meteram assim [destruído], agora dizem que o testemunho dele não vai ter valor nenhum.

E com o Ricardo foi diferente?

Com a minha história foi diferente porque, com as pessoas que acusei, já estava tudo prescrito. Sustentava a prova mas ninguém apanhou prisão por causa do que eu falei.

Quer dizer que Tomás pagava mais ou menos, consoante os crimes estavam prescritos ou não?

Sim. Eles destruíram mesmo o Ilídio.

Mas o que lhe disseram? O Ricardo não percebe nada de Direito…

São conversas deles. Do que falei não se fez prova em tribunal porque já estava prescrito. Não percebo nada de Direito, mas sei o que se passou.

O que disse foi espontâneo?

Não. O Carlos Tomás, quando foi ter comigo, era mesmo para ilibar o patrão, o homem que lhe paga, o Carlos Cruz, não era para ilibar os outros.

E que lhe disse ele para dizer e ilibar Carlos Cruz?

Disse-me para dizer que eu nunca tinha estado com o Carlos Cruz, que eu nunca tinha sido violado, que não o conhecia, que era tudo mentira, que os outros putos também estavam a mentir.

Nessa entrevista, disse que, quando foi ouvido na PJ, falou noutros nomes menos importantes, mas que a Polícia só ligava quando dizia nomes sonantes, tipo Paulo Pedroso, Cruz, etc.. É verdade?

Não. Se eu falasse do Cruz, do Pedroso ou de um empregado da Casa Pia, para a Polícia era a mesma coisa. Disse o contrário porque o Carlos Tomás disse que eu tinha que dizer isso, porque punha a Justiça em xeque. Eu tinha que mentir assim mesmo, para descredibilizar, para dizerem que a PJ queria acusar o Carlos Cruz e que a Catalina tinha dito para eu acusar o Paulo Pedroso.

Antes de ser ouvido a primeira vez na PJ, tinha contactos com as outras vítimas?

Não, nem os conhecia. Eu já tinha saído da Casa Pia há algum tempo. Só conhecia o [João Paulo] Lavaredas, porque andou na mesma vida que eu, na prostituição. Só no julgamento é que conheci os outros miúdos.

Que métodos utilizava a Polícia para vocês não se cruzarem?

Só nos cruzámos nos corredores da PJ ou na Pro_vedoria. Mas eles faziam tudo para a gente não se cruzar. Morávamos em casas separadas.

Nem tinham os telefones uns dos outros?

Não, nem pensar.

Mas o que disse na entrevista a Carlos Tomás é que concertaram versões e que a PJ acreditou.

Isso é mentira. Até há uma testemunha que disse o mesmo que eu, mas que quando entrou na Casa Pia já eu tinha saído. A primeira vez que eu falei no Carlos Cruz, na PJ, eles pressionaram muito, diziam que não acreditavam, que eu mentia, eram as tácticas da Polícia. Uma vez até comecei a gritar: «Mas o que é que eu estou aqui a fazer? Se não acreditam, vou-me embora».

Percebeu quais as razões de Carlos Tomás e se havia relações de amizade entre os arguidos?

Eles eram amigos. O Carlos Cruz e o Ferreira Diniz é que pagavam ao Carlos Tomás. Depois há o Ferreira Diniz e o Manuel Abrantes, eu sei que eles se chatearam agora com a venda de um stand: aquilo foi à falência, o Abrantes foi enganado, uma grande caldeirada. O Tomás é que me contava tudo.

Contava-lhe o quê?

Que eles tinham um stand onde investiram dinheiro, mas que estava a ir à falência e o Diniz tinha um amigo que ia comprar a dívida deles para não perderem dinheiro. Mas o Abrantes queria mais dinheiro e o amigo do Ferreira Diniz disse que não dava, que pagava só a dívida. E agora zangaram-se as comadres.

Na entrevista a Carlos Tomás, disse coisas muito graves, nomeadamente, que a Dr.ª Catalina lhe dava dinheiro para a droga. Isto é assim?

Não!

Então, como foi capaz de dizer aquilo?

Não sei, estava mal, não estava em mim. Como é que eu posso explicar uma coisa que não sei?

Mas isto é um bocado alucinante, não? E que a Polícia ia consigo comprar droga? Parece tirado de um filme…

Pois parece…

De um mau filme. O que é que a droga lhe provoca para dizer coisas destas?

A cocaína faz isso, é delirante. Ficamos sem escrúpulos. Quando se está metido nisso faz-se mal às pessoas que mais ajudam, não se está em si, a droga ajuda a que você minta. E eu gosto de cocaína: quando fumo coca sinto-me grande, consigo fazer tudo.

Mas isso é muito baixo.

É verdade, mas eu estava em baixo, estava no meu pior estado.

felicia.cabrita@sol.pt