Rasquinha

Rotunda do centro sul, Almada. Duas e meia da tarde de um dia da semana do mês de outubro de 2015. O protagonista desta história é um indivíduo caucasiano, na casa dos trinta anos. Veste pullover azul escuro, calças de ganga e sapatos-ténis confortáveis. 

Arrumado por baixo da estrutura metálica de uma ponte aérea, o indivíduo, de pernas afastadas e pés bem assentes na terra, oscila sobre si próprio em meios círculos. O movimento é comandado pela bacia. (Isto parece a descrição semi literária de uma aula de dança contemporânea, perdão.) Tem os braços também arrumados, as mãos convergem para a sua zona púb(l)ica. 

Sorri, cheio de si próprio, enquanto contempla os carros que abrandam a escassos metros, à espera de entrar na rotunda. 

Mija.

Mija abundantemente.

Estou dentro de um desses carros e não consigo acreditar que está um gajo a mijar a céu aberto num parque de estacionamento, por baixo de uma passagem aérea para peões, numa rotunda onde passam por dia milhares de carros. 

Soube nesse instante que teria de escrever sobre esta fixação do sexo masculino com as necessidades ao ar livre. Até porque o protagonista desta história, a dada altura, quando estava a tentar perceber e finalmente a aperceber-me do que é que ele estava ali a fazer, teve a veleidade de me gritar: «’tás-me a olhar para o ca****o?». Um flagelo gramatical e cívico, o protagonista desta história. 

Como não consigo entender este fascínio, tentei perguntar ao maior número de pessoas que consegui sobre esta coisa de fazer xixi na rua, e parece que tenho o grupo de amigos mais civilizado do mundo, pelo menos via Facebook. Todos acharam repugnante tal ato.

Nos Estados Unidos da América, quem for apanhado a mijar na rua é preso, mas cá nem por isso. Até era capaz de dizer que é uma coisa vagamente aceite e da qual muito homem se gaba, ou não fosse já estar farta de ouvir uma expressão que reza que onde mija um português, mijam dois ou três. É tão aceite, tão aceite, que já assisti a mijadelas públicas em conjunto de grupos altamente heterogéneos, que nunca se teriam juntado não fosse pelas suas bexigas. 

Pensei, durante os anos que trabalhei à noite, que esta coisa dos homens acharem que qualquer local é uma potencial casa de banho pertencia ao estado excecional que é estar ébrio. Até que percebi que com a prática vem o ritual de iniciação da mijadela ao ar livre ao amigo estrangeiro, provavelmente um dos ex libris para o macho nacional. Jamais conseguiria imaginar que a rasquinha pudesse chegar a uma rotunda. Como quando vejo um homem a mijar na rua o vejo sempre assim encostadinho a uma superfície qualquer, ou de costas voltadas para a quarta parede, sinto que isto escalou ao ponto de não retorno, e que estes hábitos de quando as calças eram permanentemente abertas na costura entre as pernas não ficaram lá no passado. 

Para os animais não racionais, mija-se para marcar território. 

Depreendo depois desta breve reflexão, que a rotunda do centro sul pertence ao indivíduo que lá vi a mijar no outro dia e que lhe deviam estar neste momento a erguer uma estátua. 

No mínimo. 

trashedia.com