Providência cautelar contra grupo Cofina é ‘desproporcionada’, diz a CCPJ

A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) considerou hoje “desproporcionada” a proibição da Cofina de publicar notícias sobre a “Operação Marquês”, que envolve José Sócrates, e incompatível com a profissão de jornalista ser assistente em processos penais.

Providência cautelar contra grupo Cofina é ‘desproporcionada’, diz a CCPJ

O Tribunal da Comarca de Lisboa deferiu em finais de outubro uma providência cautelar interposta pela defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates para impedir a divulgação de notícias relacionadas com o processo "Operação Marquês" pelo grupo Cofina, proprietário do Correio da Manhã.

Em comunicado, a CCPJ considera que a decisão proferida, "que é simplesmente cautelar, (…) revela-se desproporcionada no alcance e na abrangência, censurando prévia e irrestritamente os trabalhos jornalísticos que se pudessem produzir, independentemente do seu exato conteúdo".

Acrescenta que a proibição "não decorre de uma necessidade social imperiosa, porquanto o que está em causa é o escrutínio da conduta e dos atos, não de um cidadão comum, mas de uma destacada figura pública, como é o caso do ex-primeiro-ministro português".

A CCPJ aponta que, perante o facto deste processo penal permitir a constituição como assistente de qualquer cidadão, o que "resulta que o teor do mesmo está acessível ao público em geral, bastando para tal que assuma essa qualidade", no mínimo se deveria questionar "a prevalência do segredo de justiça sobre a liberdade de expressão".

A Comissão da Carteira sublinha que "o segredo de justiça constitui um valor sempre a ponderar, porque mormente visa proteger a presunção de inocência e a credibilidade da justiça, mas, nem pode por um lado servir de capa e refúgio para um jornalismo acomodatício que veicula juízos de culpabilidade e as mais das vezes se limita a reproduzir os atos processuais, sem qualquer investigação própria".

Além disso, "nem pode, por outro lado, erguer-se como uma muralha que se estende indefinidamente e impede o conhecimento e discussão sobre matérias de candente interesse público", acrescenta.

Numa sociedade democrática, e em matéria de liberdade de informação, "convive-se pior com a proibição jornalística do que com a violação de normas processuais, na medida em que esta pode gerar consequências penais apenas para os presumíveis infratores, enquanto a proibição atinge globalmente os cidadãos no seu direito a serem informados".

Relembra que é "um dever fundamental dos jornalistas 'repudiar a censura ou outras formas ilegítimas de limitação da liberdade de expressão e do direito de informar, bem como divulgar as condutas atentatórias do exercício destes direitos', daí que se justifique a conduta dos jornalistas visados em reação ao silêncio que lhes foi imposto", e recorda a necessidade de informar com rigor e isenção.

Além disso, a CCPJ deliberou ainda "considerar incompatível com o exercício da profissão de jornalista a respetiva constituição como assistente em processos penais sobre os quais desenvolva trabalho".

Apesar de ser lícita aos jornalistas, tal como a qualquer outra pessoa, a constituição como assistente em processos penais, a CCPJ considera que no caso em que estes profissionais sejam assistentes "em processos sobre os quais desenvolvam trabalho é incompatível com o exercício da profissão, uma vez que a natureza e a função desse sujeito processual, tal como legalmente definidas, comprometem a independência, integridade profissional e dever de imparcialidade desses jornalistas".

O Tribunal esclareceu, posteriormente, que a providência cautelar "não proíbe a publicação de notícias", mas "apenas" a divulgação de elementos do processo em segredo de justiça.

O Correio da Manhã afirmou que "para já" vai acatar a decisão judicial, mas garantiu que "não vai parar de escrutinar" o ex-primeiro-ministro, adiantando que os advogados do jornal estão a analisar a decisão "extensa" do Tribunal da Comarca de Lisboa.

O ex-primeiro-ministro foi detido a 21 de novembro de 2014 e indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.

José Sócrates foi libertado no dia 16 de outubro, embora esteja proibido de se ausentar de Portugal e de contactar com outros arguidos do processo da "Operação Marquês".

Lusa/SOL