Consultas de 20 minutos insuficientes para doente oncológico perceber doença

A Liga Portuguesa contra o Cancro (LPCC) considera que as consultas de oncologia têm que ter duração suficiente para um doente ficar esclarecido sobre as alternativas terapêuticas existentes e, desta forma, poder decidir conscientemente qual o tratamento que prefere.

"A nós [LPCC] preocupa mais incutir no doente que tenha um papel ativo na decisão, no que vai acontecer, nos atos médicos participados, e que a equipa médica olhe para o doente e não para a doença. Há pouco tempo para o diálogo com o doente e é necessário. Não é possível com 20 minutos para cada doente", disse à Lusa o médico oncologista Carlos Oliveira.

Esta é uma das alterações possíveis e necessárias na área da oncologia, que assiste a um aumento dos casos de cancro, mas também do número de sobreviventes, e que precisa de mudar o paradigma dos cuidados médicos, centrando-os no doente e não na doença, defende o presidente do núcleo regional do Centro da LPCC.

Por isso, decorre nos dias 12 e 13 de novembro, em Coimbra, uma conferência internacional subordinada ao tema "cancer patient advocacy", conceito nascido nos Estados Unidos nos anos 50 e que diz respeito ao apoio, à proteção, à defesa e à informação ao doente, para intervir na decisão, explicou.

"Verificou-se em todo o mundo desenvolvido um aumento muito grande de doentes com cancro e, sobretudo, sobreviventes de cancro. Não se usa o termo cura em cancro, mas acaba por haver sobrevivência a longo prazo, o que fez com que este conceito viesse à ribalta", disse o responsável da LPCC, que organiza a conferência.

Este conceito assenta em três pilares: medicina centrada no doente e não na doença, participação do doente na decisão, quer em técnicas de diagnóstico, quer na decisão de tratamento, e finalmente proteção do doente em relação ao erro médico e ao erro em saúde.

"Pretende-se mudar o paradigma de cuidados médicos e permitir maior intervenção do doente no que lhe é proposto. No cancro, por vezes, para a mesma situação já há mais do que uma alternativa terapêutica, ambas validadas cientificamente e com os mesmos resultados. Aqui o doente deve participar", explicou o médico.

Da conferência não vão sair decisões, o encontro serve sobretudo para discutir linhas de orientação, o papel de cada um e iniciar um processo.

O primeiro passo é um pontapé de saída para nos organizarmos, como toda a Europa, para que, com todas as organizações de doentes, darmos voz aos doentes e estimular uma intervenção maior do doente na decisão.

Atualmente impera toda uma filosofia diferente de abordagem muito centrada na doença, em que o médico é o principal decisor.

"É comum termos doentes que perante duas terapêuticas possíveis respondem 'o senhor é médico, escolha o melhor para mim'. Esta atitude tem que ser modificada, os médicos têm que explicar as vantagens e desvantagens das alternativas e o doente tem que escolher", disse.

Segundo Carlos Oliveira, isto exige treino de pessoas que possam transmitir as informações aos doentes. A LPCC tem um grupo de voluntários, de entre os quais serão escolhidos os mais vocacionados para esta área, para poderem ser treinados.

Há também o caso dos doentes de sobrevivência avançada, que não estão livres de recaída: esses devem saber o que é um ensaio clinico, a vantagem de participação no ensaio clinico, a participação do doente no desenho da investigação clinica.

O médico e o doente têm que ter tempo para o doente perceber toda a extensão da doença, disse o médico, referindo-se inclusivamente às consequências possíveis da terapêutica escolhida, e exemplifica: "Uma senhora com cancro da mama tem duas opções: tirar a mama [mastectomia] ou fazer uma cirurgia conservadora, embora neste caso tenha que fazer radioterapia a seguir. Se a senhora vem de uma zona onde não existe radioterapia, como ilhas dos Açores, diz 'tire-me a mama porque quero ir para perto da minha família, não quero ficar aqui deslocada durante um mês a fazer radio. Nessa escolha, em termos de resultados científicos, a probabilidade de viver é a mesma, mas tem implicações na vida da doente, na inserção social e até na atividade profissional".

Em Portugal surgem entre 40 e 50 mil novos casos de cancro por ano e prevê-se que venham a aumentar 15% a 20% até 2030.

Em termos de incidência, o cancro da mama é o mais frequente nas mulheres, o da próstata nos homens e o colorretal em ambos os sexos também com uma incidência muito grande.

Em Portugal, também são bastante frequentes os cancros do estômago e do colo do útero, na mulher, acrescentou Carlos Oliveira, destacando ainda. "pela sua gravidade, embora a incidência não seja tão elevada", o cancro do pulmão, em que 95% dos doentes morrem em cinco anos.

Lusa/SOL