Angola: Filhos da Dipanda

Quando às 17 horas de 11 de novembro de 1975, no município do Cazenga, em Luanda, Manuela António Virgílio Ferreira veio ao mundo, os gritos de vida tiveram duplo sentido. Pelo menos foi desta forma que a progenitora de Manuela se habituou a partilhar a história do nascimento da filha, reconstituída à Caju já pela…

À beira de completar 40 anos, Manuela relata que não teve uma infância fácil por ter perdido a mãe muito cedo, quando tinha apenas sete anos. O infortúnio, aliado ao facto de ser a penúltima filha num conjunto de sete irmãos, traduziu-se num crescimento desenraizado: vivia como uma criança nómada, entre a casa dos avós, irmãos e tios, em diversos bairros de Luanda.

Apesar da instabilidade do passado, que se foi entrelaçando com as inúmeras trepidações nacionais, Manuela habitou-se a encontrar forças na angolanidade. “Mesmo com as inúmeras dificuldades que enfrento, Angola significa tudo para mim”.

Até à década de 1980 desligada de enquadramentos políticos, a luandense conta que foi nessa altura que começou a ganhar consciência sobre o mundo, ainda que retratado pelas conversas dos adultos.

Entre uma Angola subjugada à dominação colonial portuguesa e uma Angola já independente, porém fraturada por vários movimentos de libertação, Manuela habituou-se a ter o futuro hipotecado neste confronto do passado com o presente.

Atualmente a trabalhar como assistente de administração numa empresa do ramo tecnológico, a luandense lembra como as dificuldades financeiras da família a impossibilitaram de ter um nível académico mais elevado, obrigando-a a interromper os estudos após a conclusão do curso médio em ciências exatas.

Confrontos de 1992

Além dos entraves no acesso ao ensino, a administrativa recorda as primeiras memórias de guerra. “Lembro que no final dos anos 1980 chegavam a Luanda muitas pessoas do interior. Diziam que fugiam da guerra e nós tratávamos todos como refugiados, porque não tínhamos noção do que era uma guerra”.

Porém, o paradigma foi alterado depois das eleições de 1992. A UNITA e o MPLA não se entenderam. “Os acordos de paz de 1991 foram sol de pouca durabilidade”, lamenta a jovem, que na altura desejava abandonar o país. “Tenho uma irmã que não suportou as dificuldades, e por isso decidiu emigrar para a Europa, onde vive até hoje. Também cheguei a pensar nesta possibilidade, mas era menor de idade e não tinha quem me apoiasse”, relata.

Questionada sobre o seu paradeiro quando começaram os confrontos, Manuela responde que se encontrava em casa do irmão mais velho, no bairro Hoji ya Henda. “Foi um momento muito conturbado, nunca tinha visto tantos mortos na minha vida, tantos homens armados, tanta confusão. Foi assim que percebi as reais razões que levavam as pessoas a percorrerem longos quilómetros para encontrar uma zona de conforto. Nós não sabíamos o que era uma guerra, o sofrimento que ela causa, o seu ambiente assustador. A alimentação era precária, não se podia sair de casa, felizmente não perdi nenhum familiar próximo, mas conheço muita gente que não pode dizer o mesmo”.

Perentória em apontar a paz, definitivamente alcançada em 2002, como a melhor coisa que aconteceu, a luandense assinala que todos estavam exaustos de sofrer. “Acredito que se o nosso país não tivesse mergulhado numa guerra, o nosso índice de desenvolvimento seria mais elevado”, defende esta filha da Dipanda, sem esquecer os ganhos: “Hoje é possível viajar pelo país sem o receio de cair numa emboscada”.

Ainda assim, Manuela considera que há um conjunto de ações que devem ser desenvolvidas por quem governa, no sentido de melhorar as condições de vida da população, combatendo, por exemplo, “as dificuldades no setor da saúde e educação”, e a falta de emprego, sobretudo para os jovens. “Desejo ver uma Angola melhor para todos, sem discriminação no futuro”.