A vida nas residências e centros

Quer nas casas dos homens, quer nas das mulheres do Opus Dei dorme-se sempre em quartos individuais ou triplos. Nunca há quartos duplos.

“Para não haver amizades particulares, conversas privadas nem tentações”, explica um ex-membro. A decoração dos dormitórios é simples e básica. Apenas é obrigatório que exista um crucifixo e uma imagem da Virgem Maria. Só os numerários, numerárias e numerárias auxiliares, que são perto de 500 dos 1550 membros registados em Portugal, vivem nestas residências da organização, espalhadas pelo país. Os restantes moram nas suas próprias casas, mas frequentam os centros da Obra para receber formação espiritual, assistir a tertúlias ou participar em reuniões.

Os que residem nos estabelecimentos da Prelatura são todos celibatários e estão divididos por pequenos grupos e separados por sexo e categoria de membro. Alguns deles, especialmente os que trabalham dentro da instituição, vivem muito isolados e saem pouco. Os outros, por terem as suas profissões, passam o dia fora e só regressam antes do jantar.

Nas casas da Obra, o dia a dia é sujeito a regras e horários rigorosos. Por volta das 6h30, todos têm de se levantar. Arranjam-se, assistem à missa matinal e fazem uma meditação. Depois seguem várias rotinas como se fossem uma família, almoçando e jantando sempre juntos a horas definidas.

O momento da refeição obedece a um ritual e é preparado com máximo rigor, seguindo um protocolo detalhadamente descrito em documentos internos. Estes definem a comida a servir, as bebidas permitidas e o tipo de serviço de mesa a realizar. Só é autorizado vinho ao almoço e nas ocasiões especiais pode-se beber cerveja ou martini. Ao jantar, em regra, nunca se consome álcool. Ao longo do dia, os membros vão cumprindo várias normas de vida, como rezar certas orações (…).

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Todo o salário mensal que recebem tem de ser entregue à instituição. Os que exercem profissões no exterior fazem transferência bancária, dão o cheque ou cedem o cartão multibanco ao secretário da residência do Opus onde vivem. Já em relação aos que trabalham na organização o processo é um pouco diferente. A estes, a Obra paga um ordenado mensal, que vai, no entanto, diretamente para os cofres da Prelatura. Depois de darem o vencimento à Obra, podem solicitar algum dinheiro para comprarem bens essenciais, como champô e pasta de dentes, ou para pagar os transportes. Para isso, têm de o pedir na secretaria que existe nos vários centros e que está aberta em determinados dias da semana em horários fixos. Já para as despesas extraordinárias, como roupa e sapatos, é necessário autorização dos diretores e só depois o encarregado da secretaria liberta a verba pedida. E não há margem para erros, pois as despesas devem ser justificadas ao detalhe: até ao dia 5 de cada mês, têm de entregar o que se chama “conta de gastos”, onde explicam o que fizeram ao dinheiro. “Colocamos tudo nesse papel, desde os pensos higiénicos aos cartões para telefonar”, esclarece uma antiga agregada. Em cada residência há uma caixa específica para guardar os cheques, notas e moedas, que só se abre com duas chaves diferentes, que ficam à guarda de pessoas distintas, geralmente da direção.

Quando são informados de que é obrigatório ceder o salário, é-lhes transmitida também uma explicação: cada um tem de contribuir para as despesas dos centros e ao mesmo tempo dar sinais de desprendimento dos bens materiais. Segundo o movimento religioso, quem vai viver para uma das residências passa a fazer parte de uma família sobrenatural. “É uma nova família com laços ainda mais fortes do que a biológica”, refere uma antiga numerária. Outro ex-membro conta: “Os nossos pertences, desde joias a lençóis, têm de ser postos à disposição da Obra. Se a diretora autorizar ficam para nós, se não passam a ser de todos.” “Se alguém recebe um presente, mandam as regras do Opus Dei que agradeça e que mal chegue a casa o entregue aos diretores. São estes que decidem o destino da oferta. Muitas vezes é dado antes a um outro membro que dele necessita, outras vezes é colocado num armazém, para depois ser usado para dar como presente de Natal. Nesta época do ano, a organização cumpre a tradição de distribuir presentes pelos membros, que, por volta do mês de outubro, costumam escrever uma carta ao Menino Jesus a explicar o que gostavam ou precisavam de receber. Quem vive nestas residências tem de obedecer também a regras quanto às saídas. Em certas ocasiões não podem sair sozinhos. Ir às compras implica levar companhia de alguém da organização. “Quando vamos comprar roupas ou sapatos, por exemplo, temos de ir sempre acompanhadas de uma pessoa, em princípio com estatuto superior”, conta uma antiga celibatária, dizendo que a regra é igual para todos os membros, incluindo os mais importantes. O mesmo se passa com as idas ao médico. Nunca se pode ir só, e além disso, muitas vezes os homens e mulheres do Opus são vistos por clínicos que pertencem ou são amigos da instituição.

* Excerto do livro O Fim dos Segredos, da jornalista do SOL Catarina Guerreiro