Antibióticos: menos é muito mais

Os dados não mentem. Todos os anos 25 mil pessoas morrem devido a infeções causadas por bactérias resistentes. E isto só na União Europeia. Globalmente, estima a Comissão Europeia (CE), com base em dados da OMS, esta cifra pode chegar aos 700 mil. E entre este ano e 2050 a estimativa pode ir às 10…

A Semana Europeia de Consciência sobre os Antibióticos continua até domingo, sob a égide destas estatísticas pesadas. As infeções provocadas por bactérias resistentes derivam antes de tudo de um mau uso dos antibióticos, que continuam a ser consumidos em larga escala, para combater problemas contra os quais são ineficazes (por exemplo, gripes), com ou sem receita médica, e através do seu uso na veterinária como fator de aumento da produção (o nosso consumo de carne expõe-nos, por isso, a esses medicamentos).

Em Portugal, a prescrição destes medicamentos continua a ser elevada (estamos em 12.º lugar numa estatística publicada pela CE este ano, e que pode ser consultada em http://ec.europa.eu/dgs/health_food-safety/docs/amr_factsheet.pdf), com a Turquia e a Grécia a liderarem. No extremo oposto, a Holanda e o Chile são os melhores exemplos da parcimónia necessária.

Alarmada com estes dados, a CE decidiu alargar este ano a chamada de atenção que o dia internacional do antibiótico (ou do consumo responsável destas formas terapêuticas) devia suscitar para uma semana. Num encontro com jornalistas em Bruxelas, repartido por várias sessões, o comissário europeu para a Saúde e a Segurança Alimentar, o lituano Vytenis Andriukaitis, apresentou logo a dimensão do problema nas primeiras fases: “É um desafio só comparável ao das alterações climáticas”.

O uso de antibióticos na pecuária ascende às 2,5 toneladas por ano, utilização que é profilática (preventiva) e que representa, continua o comissário, “um perigo para a saúde pública que é praticamente desconhecido”, quer em efeitos, quer pelo público. Por outro lado, o aumento de bactérias resistentes não encontrou eco nas grandes farmacêuticas, que “desde 1987 não sintetizam moléculas para novos antibióticos” que as possam combater.

Noutra das sessões, Elizabeth Kuiper, diretora para os assuntos europeus da Federação Europeia das Indústrias e Associações Farmacêuticas, defendeu que o aparecimento de novas substâncias e respetivos preços deverão ser negociados entre os estados-membros, no sentido em que os custos possam variar de acordo com o PIB de cada um para que ninguém fique excluído do acesso a medicamentos.

A ênfase na informação como forma de despertar consciências também não foi, obviamente, esquecida. O problema é global, acentua Xavier Prats Monné, diretor-geral de Saúde e Segurança Alimentar da CE, tendo em conta que a importação de carne vinda de países sem regras estritas como as da UE põe à mesma em risco a saúde pública. A China é um exemplo, e soma a este facto um problema estrutural: “50% das receitas dos hospitais vem da prescrição de medicamentos”, antibióticos incluídos.

A UE conclui em 2015 um plano de ação de cinco anos para uma melhor consciência sobre o uso responsável dos antibióticos. Mas deverá prolongá-lo, uma vez que, apesar dos avanços em alguns países, outros continuam com índices de consumo e de outro problema, a automedicação, em alta. O caso da Holanda, que conseguiu uma redução de 58% do consumo de antibióticos por seres humanos e na veterinária entre 2008 e 2014, foi apresentado como exemplo. Marianne Donker, diretora-geral de Saúde Pública daquele país, apresentou os resultados como uma combinação de políticas que passaram pela proibição do uso preventivo de antibióticos na pecuária – e a obrigatoriedade de a prescrição caber exclusivamente a veterinários – e o registo de todos os antibióticos prescritos por uma entidade independente, que pode alertar, caso a caso, para um uso excessivo destes medicamentos.

A compra através do mercado negro e da internet continuam também a ser frequentes, alerta Vytenis Andriukaitis. Por isso, é preciso seguir escrupulosamente as ordens de um médico e não as sugestões do “dr. Google”. Até porque as consequências de um mau uso vão fazer proliferar ainda mais as bactérias resistentes, pondo em risco não só as pessoas que estão com infeções efetivamente controladas por estas terapêuticas, mas também todos aqueles que precisam de transplantes, que passam por cirurgias – inclusive cesarianas – ou por tratamentos com quimioterapia, situações que exigem tratamento posterior com antibióticos.

A situação pode ser tão grave, admite Prats Monné, que “estamos em risco de regressar à Idade das Trevas da medicina, à era pré-antibióticos”. 

ricardo.nabais@sol.pt